Quando a tristeza toma o lugar das memórias

Em 9 de março de 2018, o que poderia ser uma noite rotineira de trabalho transformou-se em um momento de dor e tensão; de lá para cá, a Gentilândia só foi se afastando e indo a um lugar aonde jamais a encontrei

Escrito por Cadu Freitas , carlos.freitas@diariodonordeste.com.br
Legenda: De luto, a Praça parece não ter se encontrado ainda
Foto: Foto: Kid Júnior

Foi por pouco. Na sexta anterior ao dia da Chacina do Benfica, eu estava na Praça da Gentilândia. Sentado com amigos em um ambiente no qual frequentava, antes semanalmente, graças à proximidade com a universidade em que estudava. Com o copo de cerveja na mão, falava sobre a vida e a rotina de trabalho. Não imaginava, nem por um segundo, que seria a última vez que estaria naquele local sem tensão, receio ou memórias tristes. 

Sempre que paro e penso na Praça, não vêm à memória mais as saídas com amigos ou as vezes em que tomei uma cerveja quente e reclamei por isto. Lembro das cadeiras reviradas, dos cacos de vidro que ornavam o chão como se fizessem parte daquela estrutura, dos chinelos esquecidos após uma possível corrida sem fim. Eu lembro da dor. 

A primeira imagem que vem ao ouvir “Gentilândia” é dolorosa. Tem cadeiras ao chão, cacos de vidro, chinelas e um corpo, do qual só consigo ver uma tatuagem. É como se ele não tivesse rosto, mas ficasse intacto na minha memória. A verdade é que a Praça tornou-se para mim um sinônimo de horror. 

Morte nenhuma deveria ser relativizada por passagens pela Polícia ou ligações perigosas

Naquela noite, além das sete pessoas, morreram a Praça da Gentilândia e a memória do que ela era para mim. Nem de longe a minha dor e a perda das minhas boas lembranças podem chegar perto do sofrimento pelo qual as famílias daquelas vítimas ainda passam. E aqui, me solidarizo com elas da forma como um ser humano deve fazer: pedindo que a Justiça seja feita. 

Se quatro das sete vítimas sequer tinham antecedentes criminais ou seis delas, nenhuma relação com facções criminosas - mesmo assim -, ninguém merece ser assassinado. Ninguém. Morte nenhuma deveria ser relativizada por passagens pela Polícia ou ligações perigosas. Morte nenhuma é relativizável. Nenhuma. E, por isso, a Justiça precisa ser feita. 

Mais cedo ou mais tarde, sete pessoas saberão os detalhes do que aconteceu com riqueza naquela noite de 9 de março de 2018. Elas irão julgar os fatos e as provas. Que assim seja. 

Por enquanto, o meu real sonho é que, com o julgamento, tudo voltasse ao que era antes. Que os pais e mães, órfãos dos filhos que lhes foram retirados dos braços, os recebessem com um abraço apertado, dizendo “senti sua falta”. Que a Gentilândia voltasse a receber, como mãe do bairro, a alegria e os sorrisos que eram inerentes à ela diuturnamente. Que a lembrança do horror desse lugar às conversas com os amigos em uma sexta-feira longínqua. Por enquanto, esse é o meu real sonho. Pena que é só um sonho. 

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