Processos de feminicídios pendentes de julgamento dobram no CE

Dados do Monitoramento da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que, em 2016, havia no Estado 22 casos de feminicídio pendentes de julgamento. O número aumentou para 42 em 2017 e, ano passado, chegou a 46

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@diariodonordeste.com.br

Ele não aceitava o fim do relacionamento. Tinha ciúmes dos amigos e até dos pais. Segundo a investigação da Polícia Civil, Francisco Calixto pedia que a namorada, Stefhani Brito Cruz, 22 anos, nunca mentisse, sob ameaça de puni-la de uma forma que jamais seria esquecida. Quando estava embriagado a, atacava e, no dia seguinte, queria perdão, prometendo que aquilo nunca mais aconteceria novamente. A história se repete.

São 4,6 milhões de mulheres no Ceará e há muitas histórias de violência doméstica, como a de Stefhani que têm como desfecho a morte. Depois disto, restam às famílias pedir por Justiça. "Que ele tenha o que merece aqui na terra e que seja feita a justiça divina", diz Maria Rosilene Brito Cruz, mãe de Stefhani, morta pelo ex-namorado, em janeiro de 2018. Após matar a jovem espancada com um pedaço de madeira, ele carregou o corpo em uma moto antes e jogou às margens de uma lagoa no bairro Mondubim.

No Ceará, os registros de feminicídios têm crescido nos últimos anos. Em proporção direta também sobem os índices dos casos com acusados ainda sem punição. Conforme informações do Monitoramento da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o número de processos de feminicídios pendentes de julgamento dobrou no Ceará, em três anos. No ano de 2016, eram 22 casos, chegaram a 42 em 2017 e, em 2018, o número aumentou para 46.

A estatística mostra que no ano passado o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) proferiu 27 sentenças, mas nenhuma chegou ainda na fase de execução, por conta dos recursos interpostos pela defesa dos acusados. O quantitativo de novos casos catalogados que se tornaram de conhecimento do Tribunal também aumentou. Enquanto em 2016 eram 12, em 2018 o número, passou para 29.

Sobre as pendências contabilizadas pelo CNJ, a titular do Juizado da Mulher de Fortaleza, magistrada Rosa Mendonça, afirma que, muitas vezes, o caso fica pendente porque várias etapas do processo ainda precisam ser cumpridas, independentemente do Poder Judiciário. A dificuldade em localizar testemunhas do crime e entrada de recursos por parte das defesas são alguns dos ritos que demandam tempo. "Quando se diz que está pendente são várias etapas do processo que ainda têm que ser obedecidas. Estar pendente de julgamento não significa que o juiz não está atuando. A Coordenadoria Estadual da Violência Contra a Mulher do Tribunal de Justiça do Ceará está adotando estratégias para que seja dada mais celeridade a esses processos de feminicídio no Ceará", disse a juíza Rosa Mendonça.

Uma das medidas adotadas a fim de julgar os casos de feminicídio com rapidez é uma tarja diferenciada que passou a ser colocada na frente destes processos. Conforme Rosa Mendonça, a intenção é alertar aos magistrados que aqueles documentos tratam-se de mortes de mulheres que foram vítimas devido a essa condição. A magistrada ressalta que é de interesse do Estado condenar o mais rápido possível criminosos envolvidos neste crime: "é um crime repugnante e a gente observa que estes feminicídios têm carga de ódio grande. Os agressores matam as mulheres, desfiguram e por vezes matam também os filhos", pontuou.

Luto

Um estudo do Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (Nudem) da Defensoria Pública do Ceará, feito no ano passado, mostrou que o feminicídio é consequência de um histórico de violência doméstica enfrentada pela vítima há anos. A supervisora do Nudem, defensora pública Jeritza Braga, acrescentou que o Brasil é o 5º País do mundo com maior número de feminicídios. A maioria das mulheres demora até cinco anos para perceber que vive um ciclo de violência.

"Apenas 15% denunciam. As que estão foram desta porcentagem são as que correm maior risco. A maioria delas é solteira ou com união estável, com Ensino Médio completo", pontuou Jeritza destacando que quem mais sofre feminicídio são as jovens e em idade fértil. É neste perfil de vítima que Stefhani Brito Cruz se encaixa.

Segundo a investigação, Francisco Alberto Nobre Calixto Filho, ex-namorado da vítima, não aceitou o fim do relacionamento. Stefhani começou a namorar com Calixto quando tinha 17 anos. Os parentes dela relataram à Justiça que desde então ela passou a se isolar dos familiares. Ela tinha um número de celular só para falar com o namorado. "Não podia ter nem redes sociais porque ele era muito ciumento", disse Maria Rosilene, mãe de Stefhani em trecho do depoimento prestado à Polícia Civil.

Francisco Calixto foi preso em fevereiro deste ano, após passar mais de um ano na condição de foragido da Justiça. No último mês de abril o homem foi ouvido pela Justiça. Ao lembrar da filha, a mãe de Stefhani pede que ele seja punido o mais rápido possível. "Eu sabia que ele judiava dela, mas ela pedia que não me metesse, porque eles iam resolver. Era um relacionamento muito conturbado, mas eu nunca imaginei que ia chegar no que chegou. Minha filha já estava separada quando isso aconteceu. Ele chamou ela para conversar mais uma vez e deu nisso", lamenta Maria Rosilene.

A mãe da jovem quer que Calixto pague pelo que fez. "Era uma pessoa muito amada. A nossa Justiça é muito lenta, mas ainda confio. Não foi só minha filha. Ela não é um caso isolado. O feminicídio está aí. A advogada dele pediu liberdade provisória, mas graças a Deus a Justiça negou. Agora quero que ele e os outros que estão por aí matando paguem por este crime que nem era para existir", complementou Rosilene.

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