Pardo, sexo masculino, 17 anos e periférico: qual o perfil e a origem do jovem infrator no Ceará
A maioria dos jovens infratores apreendidos no Ceará, em 2025, é do sexo masculino, se identifica como pardo, tem 17 anos e mora em bairros periféricos de Fortaleza, como o Bom Jardim, o Vicente Pinzón e a Barra do Ceará. É o que mostra a base de dados da Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas).
Conforme dados da última sexta-feira (12), entre os 1.280 jovens recepcionados pelo Sistema Socioeducativo Estadual no ano corrente, 1.119 (ou seja, 87,4% do total) se identificaram como pardos; 174 (13,5%) como brancos; 136 (10,6%) como negros; e 4 (0,3%) como amarelos. Não houve a apreensão de nenhum indígena nem preto. A Seas não considerou "negros" como a soma de "pretos" e "pardos", como definiu o Estatuto da Igualdade Racial, instituído pela Lei nº 12.288, de 20 julho de 2010.
dos jovens apreendidos (equivalente a 1.157) são do sexo masculino. E 9,4% (121 jovens) são do sexo feminino, segundo o Painel Estatístico.
A média de idade das crianças e adolescentes capturados por atos infracionais é de 16,9 anos, neste ano. O maior número de jovens que chegou ao Sistema Socioeducativo tinha 17 anos de idade: 495 (o que representa 38,6% do total). Outros 357 adolescentes (27,8%) tinham 16 anos.
O levantamento também mostra as cidades do Ceará e os bairros de Fortaleza de moradia dos jovens apreendidos. Entre as cidades, Fortaleza lidera, seguida de Caucaia e Maracanaú. No Interior do Estado, as cidades que tiveram mais apreensões foram Juazeiro do Norte e Sobral.
Em Fortaleza, os bairros que têm o maior número de adolescente apreendidos, por atos infracionais, são o Bom Jardim, o Vicente Pinzón, a Barra do Ceará, a Aerolândia e o Jangurussu.
O coordenador do Comitê de Prevenção e Combate à Violência da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), sociólogo Thiago de Holanda, afirma que o perfil dos jovens que passam pelo Sistema Socioeducativo "já é conhecido". Sobre os locais de origem desses adolescentes, ele analisa que, "se a gente coloca na mesma forma os dados de homicídio e de outras violências, acaba caindo sobre esses mesmos territórios".
"A gente tem que se perguntar assim: o que está violentando tanto essas pessoas, que vivem nesses territórios? Que não seja ausência de política pública, de Estado, de serviço, de oportunidade, de condições melhores de vida. A gente não tem bairros como o Meireles e a Aldeota, que têm um Índice de Desenvolvimento Humano melhor", pontua o sociólogo.
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Perspectivas além do Sistema Socioeducativo
Preocupado com o futuro dos jovens que saem do Sistema Socioeducativo, o Comitê de Prevenção e Combate à Violência elaborou a pesquisa "Vidas por um Fio - Trajetórias de adolescentes após o cumprimento de medidas socioeducativas no Ceará", divulgada em novembro do ano passado.
jovens que passaram por medidas socioeducativas de privação de liberdade, no Estado, morreram entre os anos de 2016 e 2021, conforme a pesquisa. Esse número representa 5,2% do total de pessoas que passaram pelo Sistema nesses seis anos, que foi de 9.742 jovens.
O sociólogo Thiago de Holanda acredita que o Estado precisa dar mais atenção à "prevenção secundária", para preservar a vida e evitar a reincidência criminal desses jovens que já foram apreendidos por atos infracionais. "A gente já tem o desenho socioespacial da cidade. São nessas áreas que estão tendo mais mortes. Só morar ali, já representa um risco. Se é um jovem negro, fora da escola, que já cumpriu medida socioeducativa ou está cumprindo medida em aberto, podem estar em maior risco", afirma.
"Tem projetos sociais que o menino precisa estar na escola. Mas tem meninos que já estão fora da escola, usando drogas, trocando tiros com a Polícia. O que vai restar para esse adolescente, a não ser o Socioeducativo ou a morte, e depois o Sistema Prisional? A gente tem que encontrar alternativas em políticas políticas públicas que consigam atender essa demanda, a gente precisa de programas voltados para a prevenção secundária", completa.
A Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo afirma que tem apostado em "diretrizes socioeducativas claras e fundamentadas em práticas restaurativas — a exemplo das assembleias socioeducativas, do projeto Abraços em Família e dos círculos de paz —, e na priorização das ações de escolarização e de qualificação profissional" para "romper estigmas e transformar realidades" dos jovens que cumprem medidas socioeducativas.
O Estado oferece educação e trabalho aos jovens apreendidos, garantiu a Seas. "O cronograma pedagógico é estruturado em atividades regulares de escolarização e contraturno (qualificação profissional e atividades de arte, cultura, esporte e lazer), garantindo intensa movimentação nos turnos da manhã (07h30 às 11h50) e da tarde (13h às 17h)", destaca.
Também são ofertados cursos de informática, mecânica de motos, pintura predial, barbearia e cabeleireiro, gastronomia, entre outros, com o apoio de organizações da sociedade civil, do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), do Serviço Social da Indústria (Sesi), do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), o Instituto Centro de Ensino Tecnológico (Centec) e a Secretaria da Proteção Social (SPS).
certificados de cursos profissionalizantes, para 588 jovens, já foram emitidos no Sistema Socioeducativo, somente neste ano de 2025, segundo a Seas.
A Pasta desta também o fomento à prática de atividades culturais. Em julho deste ano, a Seas realizou o Primeiro Festival Culturarte, no Cineteatro São Luiz, que reuniu produções artísticas dos adolescentes dos Centros Socioeducativos. Foram expostas obras em cerâmica, madeira, telas pintadas à mão e materiais recicláveis transformados em arte, além de apresentações de artes cênicas, música, capoeira e poesias.
Outra iniciativa destacada pela Superintendência é o Programa de Oportunidades de Cidadania (POC), criado em 2021 e "voltado ao atendimento de jovens pós-cumprimento de medidas socioeducativas do estado do Ceará".
"O Programa oferece ações voltadas aos jovens, seus familiares e aos profissionais do sistema socioeducativo. Está estruturado em eixos de atuação integrados, com foco no fortalecimento da cidadania, na promoção da autonomia e na reinserção social e territorial dos jovens", explica o Órgão.
Facções atrapalham cumprimento de medidas
A "guerra" entre facções criminosas, que se espalha por todo o Ceará, prejudica o cumprimento das medidas socioeducativas tanto dentro como fora das unidades e são entraves para a ressocialização, segundo as fontes ouvidas pela reportagem.
"Hoje, praticamente 100% dos nossos jovens que estão inseridos no Sistema, em meio fechado, têm um envolvimento com facção e, por conta disso, a dificuldade de ressocializar é muito maior, porque, quando o indivíduo sai, ele sofre pressão daquele grupo para voltar imediatamente à criminalidade", revela o juiz da 5ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Fortaleza, Manuel Clístenes.
A reportagem apurou que a Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo conseguiu separar os adolescentes por facções, dentro dos centros socioeducativos, para evitar brigas de grandes proporções e homicídios, nos últimos anos.
O Sistema não registra uma morte violenta desde 2022, quando um adolescente de 14 anos foi morto dentro do Centro Socioeducativo Canindezinho, em Fortaleza, no dia 24 de abril. Três jovens, que dividiam quarto com a vítima, foram autuados por ato infracional análogo a homicídio.
Hoje, praticamente 100% dos nossos jovens que estão inseridos no Sistema, em meio fechado, têm um envolvimento com facção e, por conta disso, a dificuldade de ressocializar é muito maior, porque, quando o indivíduo sai, ele sofre pressão daquele grupo para voltar imediatamente à criminalidade."
Já os adolescentes que estão em liberdade assistida (fora dos centros socioeducativos) ou em semiliberdade (aqueles que passam alguns dias no centro e outros dias em casa) têm dificuldade de cumprir as medidas socioeducativas, em razão das disputas territoriais das facções.
"Nós temos seis Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social). E só tem um Creas que pode atender jovens oriundos da facção GDE (Guardiões do Estado), um que pode atender jovens da Massa Carcerária e quatro que podem atender jovens do Comando Vermelho (CV), porque estão em áreas dominadas por essas facções", exemplifica o juiz Manuel Clístenes.
Essa dificuldade também é sentida pelos jovens que precisam ir a postos de saúde e escolas que ficam localizados em territórios rivais. Segundo o magistrado, não é necessário nem o adolescente ser "batizado" na facção para ele correr risco de morte. Se ele morar em um território dominado por uma facção rival, ele já pode ser sentenciado à morte por outra organização criminosa.
Adolescentes sofrem risco de morte
A situação se agrava no cumprimento de medidas de semiliberdade em Fortaleza, já que o único estabelecimento apropriado para receber jovens nessa situação, o Centro de Semiliberdade Mártir Francisca, fica localizado no bairro Sapiranga, onde há domínio da facção Comando Vermelho.
O Centro tem capacidade para receber 40 jovens, mas está ocupado por apenas 11, segundo dados da Seas da última sexta-feira (12). O juiz Manuel Clístenes confirma que adolescentes ligados a outras facções ou mesmo que moram em bairros dominados por outras organizações criminosas não são colocados em semiliberdade, para não terem que cumprir parte da medida no local. A 5ª Vara da Infância e da Juventude de Fortaleza procura por outras medidas para aplicar a esses meninos.
Em novembro de 2017, o Centro de Semiliberdade Mártir Francisca foi invadido por criminosos armados, na madrugada, que perguntavam "Quem aqui é da GDE?". Quatro adolescentes foram retirados à força do estabelecimento e executados a tiros.
Essa situação passou a ser acompanhada e mapeada pelo Núcleo de Atendimento aos Jovens e Adolescentes em Conflito com a Lei (Nuaja), da Defensoria Pública Geral do Ceará (DPCE). "A gente sabia que tinham muitos meninos, por exemplo, que não estavam podendo cumprir a semiliberdade, por essa situação de facção. A gente começou a desenvolver esse trabalho também de mapeamento e pesquisa, mais recentemente", aponta o defensor público que atua na 5ª Vara da Infância e da Juventude de Fortaleza, Rubens Lima.
"Nós temos meninos aqui que temos que transferir para Sobral, outros saem daqui fugindo, passam por todas as unidades e vão terminar em Juazeiro do Norte. Esse é outro problema. Tanto o Judiciário, quanto nós, da Defensoria, fazemos um trabalho muito efetivo de inclusão desses meninos em programas de proteção. É comum que o juiz faça a audiência, libera o adolescente, mas ele não pode nem retornar para o território dele, porque lá ele está ameaçado", acrescenta o defensor público.
O Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM) leva jovens do Ceará para outros estados, em um processo sigiloso, com alteração da identidade dessas pessoas. "Esse Programa é de 2013, e já são 12 anos sem nenhuma morte", ressalta Lima. "Quando dá problema, é porque a pessoa saiu do Programa e voltou para o território dela", completou o juiz Manuel Clístenes.