Estado tem uma nova dinâmica do crime, afirma secretário de Segurança

A rigidez empregada nos presídios cearenses, desde o início deste ano, obrigou as facções a elegerem novos líderes nas ruas, para comandarem ações criminosas. Antes, as ordens saíam de dentro das unidades penitenciárias

Escrito por Messias Borges , messias.Borges@diariodonordeste.com.br
Legenda: André Costa reconhece que as forças de segurança não conseguiram evitar os recentes ataques, mas garante punição
Foto: Lucas Barbosa

O embate entre o Estado e o crime organizado, no Ceará, ficou ainda mais acirrado com as mudanças no Sistema Penitenciário, no início deste ano. Em nove meses, já são duas séries de ataques criminosos contra bens públicos e privados. Em entrevista exclusiva ao Sistema Verdes Mares, o titular da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), André Costa, afirmou que a dinâmica do crime mudou e garantiu que o Estado não irá retroceder nessa disputa.

O Estado demorou a reconhecer que as facções criminosas atuavam no Ceará e agora está correndo atrás do prejuízo?

Eu não posso falar por outras gestões. Posso falar da gestão que eu venho atuando. Desde o início, eu sempre expus essa problemática de grupos criminosos, facções. A gente vem se preparando durante todo esse Governo. Contratando mais policiais, investindo na área de tecnologia e de Inteligência.

Por que os criminosos não temem o Estado e realizam tantas séries de ataques, em poucos anos?

É uma forma que eles encontraram de tentar fazer prevalecer a vontade deles. Isso acontece no Ceará, em vários estados do Nordeste, no País. A primeira onda (de ataques) que a gente viu foi em São Paulo. Eles tentam fazer que o Estado retroceda. Mas a melhor forma de prevenir, para que não aconteçam outras vezes, é o Estado se manter firme e eles compreenderem que não vão conquistar nada com esse tipo de conduta.

Quais as principais estratégias da SSPDS para combater o crime organizado?

O principal é investir forte na área de Inteligência. Além da capacitação dos policiais e da integração de dados não só do Ceará, mas da Região Nordeste e do País. A gente, hoje, tem que trabalhar com tecnologia, porque é gerada uma infinidade de dados diariamente. Só no Spia (Sistema Policial Indicativo de Abordagem), por dia, processamos em torno de 4 milhões de veículos. Só que não são apenas 4 milhões de dados, a gente processa também quem é o proprietário, consulta se o proprietário está no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP).

Qual a importância da criação da Draco (Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas) nesse contexto de combate às facções?

Isso inclusive faz parte - não é apenas isso - desse reconhecimento do problema, que a gente enfrenta. E para poder ter um olhar focado em cima disso. Foi uma etapa. O Estado foi avançando etapas, demonstrando que reconheceu o problema das organizações criminosas como um todo, não apenas as facções, mas também o lado da corrupção, por exemplo. Depois houve a criação da Vara de Crime Organizado também.

O que mudou no trabalho da SSPDS com a criação de uma secretaria específica para a Administração Penitenciária e com a chegada do Mauro Albuquerque (titular da SAP)?

Facilitou, porque agora a gente tem uma Secretaria que se dedica exclusivamente à questão penitenciária. Antes, se dedicava a muitas pautas, direitos humanos, mulher, minorias. No momento que tem uma Pasta que cuida especificamente do Sistema Penitenciário e a gente traz uma pessoa como o Mauro, com uma bagagem técnica - para mim o maior especialista no País quando o assunto é o Sistema Penitenciário - facilita também o trabalho junto à Polícia. São áreas umbilicalmente ligadas e a gente tem conseguido construir uma maior integração. As inteligências também, a difusão de dados. Hoje, no nosso Big Data, nós temos vários dados que são oriundos da SAP. E a SAP tem acesso ao nosso Big Data.

Antes, o Estado adotava uma postura permissiva no sistema penitenciário?

Em todo o País, nunca se teve um olhar mais focado no Sistema Penitenciário. É uma crítica que se faz a todos os estados, sem exceção. A gente sempre achou assim: 'presídio é um lugar só para botar bandido e deixar lá. É um lugar ruim mesmo, para o bandido sofrer lá dentro'. A própria sociedade sempre pensou isso. O que trouxe falta de investimentos, falta de visão dos governantes em todo o País, e isso acabou gerando um ambiente com o controle que não se deveria ter. A gente viu em São Paulo, Rio de Janeiro e depois em todo o País, um ambiente propício para o desenvolvimento desses grupos criminosos. Hoje, nós continuamos tendo dificuldades, problemas no Sistema Penitenciário em todos os estados do País praticamente, e o Ceará é um Estado hoje que tem mais avançado nessa questão. Alguns estados continuam com os mesmos problemas que tínhamos antes, de regalias, falta de controle, falta de oportunidade para o preso trabalhar, aprender uma profissão, assistir aula, aprender a ler.

A Polícia prendeu líderes da facção GDE (Guardiões do Estado) e os transferiu para presídios federais, em janeiro. Oito meses depois, a mesma facção ordenou mais ataques, e mais líderes foram presos e também serão transferidos. Quando esse ciclo vai se encerrar?

É difícil a gente falar em prazo. Isso é uma dinâmica própria, uma dinâmica nova. A Inteligência de todo o País estuda. No restante do País, a formatação desses grupos é muito voltada para dentro dos presídios. As ordens, os comandos, ainda partem cotidianamente de dentro dos presídios, através do acesso aos celulares. Aqui no Ceará, a gente tem uma dinâmica diferente do resto do País, esses grupos não estão conseguindo mais se desenvolver dentro do Sistema Penitenciário. A gente teve diversas visitas realizadas, não foram apreendidos celulares em poder de nenhum desses chefes de facção. Vão ter que começar a surgir pessoas nas ruas para tentar alcançar essa posição de chefia. O Ceará tem feito isso: surgiu alguém novo, está sendo preso. Isso vai ter o efeito dissuasivo de que a pessoa sabe que, se ela quiser se destacar, ela vai ser presa, vai entrar em um Sistema rígido no Ceará ou no Penitenciário Federal.

O Estado irá precisar transferir mais presos para presídios federais?

A gente não descarta outras transferências. O Estado, hoje, já tem uma capacidade de isolamento de alguns chefes. Mas a nossa capacidade também ainda é limitada. Em breve, a gente também vai ter um presídio de segurança máxima. A gente está caminhando para ter uma independência maior, não depender tanto dessas vagas em presídio federal. Mas sempre que for necessário, a gente vai solicitar e vai continuar pedindo apoio do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) e da Justiça Federal.

Os presos não estão tendo acesso a celulares, mas conseguem passar mensagens por advogados e visitas. Como é que o Estado vai combater essa nova tática do crime organizado?

Os presos não ficam incomunicáveis. Eles continuam mantendo contato com o mundo exterior. Não com a dinâmica e a velocidade que o celular permite. Mas é uma dificuldade que a gente tem que enfrentar. Temos que entender como é que funciona nos presídios federais, em que também não há acesso a celular, mas que há contato com pessoas do mundo exterior. A gente tem muita confiança no Mauro (Albuquerque), ele vai saber enfrentar. Parte do enfrentamento a gente teve exemplo recente, inclusive com a prisão de um advogado.

O Centro de Inteligência que opera no Ceará e a parceria entre as instituições têm sido eficazes no combate ao crime organizado e nesses ataques?

Essa situação de querer fazer esses ataques vem sendo recorrente e o Estado conseguiu, em diversas situações, se antecipar e evitar que acontecesse. Às vezes, precisou de alguma ação dentro dos presídios, às vezes na rua, e a gente foi evitando. Mas, infelizmente, pessoas numa escala maior de hierarquia desse grupo criminoso acabaram sendo presas e foram submetidas a esse regime mais diferenciado, digamos assim, então isso acabou gerando essa insurgência às regras ditadas pelo Estado com base na lei.

Após a maior série de ataques que foi registrada em janeiro deste ano, em algum momento a SSPDS ou outros órgãos levantaram a suspeita de que poderiam acontecer novos ataques?

Sempre existe o risco. Esses ataques são crimes. Por vezes, nós temos criminosos que combinam de fazer homicídios, fazer grandes roubos, e combinam de fazer esses ataques. É uma ação muito rápida. A todo momento, qualquer lugar do País está sujeito a ter um crime. Nesse trabalho integrado com todas as forças, a gente tem evitado várias situações, mas, infelizmente, essa não foi evitada. E, quando não evita, nós continuamos tratando como crime. Nós vamos apurar, prender as pessoas e responsabilizá-las.

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