Entrevista com o perito Fernando Vasconcellos: 'A linha entre a culpabilidade e a inocência é tênue'

Especialista que atuou na defesa que inocentou o borracheiro Antônio Cláudio Barbosa de Castro – após cinco anos no cárcere – e um dos suspeitos de ter matado a italiana Gaia Molinari, em 2014, na praia de Jericoacoara, conta sobre os casos e ressalta a importância de um trabalho pormenorizado

Escrito por Cadu Freitas , carlos.freitas@diariodonordeste.com.br
Legenda: O perito criminal Fernando Vasconcellos atuou, de forma decisiva, em dois casos no Ceará e inocentou dois homens
Foto: Foto: JL Rosa

Todo caso criminal é uma disputa de narrativas. De um lado, a defesa tenta mostrar porque o seu cliente é inocente; do outro - o oposto, na maioria das vezes -, a acusação almeja provar a culpabilidade do réu. O que ambos têm em comum é a necessidade de comprovar suas histórias, seja por meio de linhas do tempo com testemunhas oculares, documentos que comprovem um álibi ou provas atestadas por um perito que podem ser a salvação de um condenação.

É esta última seara que José Fernando Cabral de Vasconcellos domina. Com 54 anos de idade, dos quais já ofertou 17 à área da perícia forense, o perito federal esteve em Fortaleza, ontem, ministrando uma palestra na Defensoria Pública Geral do Estado sobre como é possível prevenir erros e injustiças promovidos pela própria Justiça.

No fim do mês de julho, oito desembargadores do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) votaram a favor da revisão da sentença e anulação da pena do borracheiro Antônio Cláudio Barbosa de Castro. Ele havia sido condenado injustamente por crime de estupro e passou cinco anos preso. Um laudo pericial realizado por Fernando Vasconcellos foi fundamental para provar a inocência de Antônio Cláudio ao comprovar que o suspeito dos crimes tinha altura média de 1,80 m, enquanto Antônio Cláudio mede 1,58 m.

Como o senhor soube do caso do borracheiro Antônio Cláudio?
Eu fui convocado pela Defensoria Pública. Quando me mostraram o caso do Cláudio, eu pedi para que me enviassem todo o material relativo às fotografias, às evidências que tinham para que eu pudesse fazer uma pré-análise para poder dizer "eu entro ou não entro no caso".

Como o senhor chegou à conclusão de que ele era inocente?
Eu precisava da estatura dele comprovadamente. No caso, o corpo de delito que teve na prisão dele, ali constava a estatura. A partir do momento que eu tenho a foto da câmera 2 com o suspeito em cima de uma motocicleta, puxei todas as características, as dimensões da roda, as dimensões da altura da motocicleta, assim eu pude dividir a tíbia, o fêmur, o tronco, e chegar a 1,80m. Esse é o confronto que eu tinha porque o Antônio Cláudio tem 1,58 m. A comparação entre os dois me faz concluir com segurança e responsabilidade que o indivíduo que está na moto não é o Antônio Cláudio.

O senhor acredita que a perícia é uma ciência exata?
A perícia não pode ser falha e não pode errar, não posso entrar num processo como esse pra fazer número, simplesmente jogar alguma coisa dentro de um laudo para que tenha argumento para o defensor montar a sua defesa. Os erros podem acontecer, mas a prova pericial não pode ter falha, ela precisa ser conclusiva. Existem provas periciais falhas? Existem. Porque o profissional que está elaborando o laudo, talvez, não tenha dados suficientes para poder realizar um bom trabalho ou talvez a própria capacitação dele mesmo.

Mas os autos do processo podem influenciar no laudo a ser elaborado?
A minha produção independe de relato. Eu posso, sim, fazer uma análise processual, em determinados casos fazer. Não digo ter uma tendência porque a perícia não pode ser tendenciosa, mas para que eu possa entender melhor o que está ocorrendo.

Como a perícia forense é importante em um processo a fim de provar a inocência de uma pessoa?
Como eu costumo dizer, a linha entre a culpabilidade e a inocência é muito tênue. Hoje, no artigo 159 do Código de Processo Penal, os peritos são de órgãos oficiais. Se, em uma localidade qualquer, não há esse elemento da perícia criminal, o juiz pode solicitar alguém da sua confiança, um perito ad hoc, para aquela finalidade. Porém, ele tem que ter um conhecimento técnico-científico para poder falar, opinar naquele que será o objeto do processo.

O senhor falou dessa problemática da falta de peritos em locais ermos, além disso, quais os principais gargalos na profissão atualmente?
Um advogado talvez assine a petição de outro advogado. Um perito não assina o laudo de outro perito porque você está colocando o seu nome embaixo com base em análises que podem ser determinantes em um processo. Então, de fato, hoje, o Estado tem essa deficiência de profissionais preparados, equipamentos insuficientes e até mesmo acesso à tecnologia.

Isso não representa uma falta de investimento na área da perícia forense?
Não, acredito que o próprio profissional ou funcionário público deve buscar sempre aprimoramento. Eu tenho que, anualmente, ir reciclando, buscando novas certificações e qualificações para que eu possa estar no mercado.

O senhor também atuou em outro processo de ampla repercussão, que libertou Francisco Douglas de Sousa, um dos suspeitos apontados pela Polícia Civil pelo assassinato da italiana Gaia Molinari, na Praia de Jericoacoara, no Natal de 2014. Como foi a sua atuação nesse processo?
No (processo) da Gaia, nós tínhamos um material bem mais completo, até com imagens de segurança. Da mesma forma, peguei os parâmetros de uma moto onde passava o Douglas, e de um carro onde passava a Gaia. Ali eu tive um material muito rico porque eu tinha dados da altura do cara, da moto, as comparações foram bem claras.

Quais foram os casos em que o senhor atuou e lembra quando pensa na profissão que hoje exerce?
O caso da Gaia Molinari foi muito marcante, eu me envolvi muito nesse assunto. Busquei muitos vídeos na internet, no youtube, todas as matérias que saíram na mídia nacional, como na italiana. Eu não tenho estômago muito forte, mas cheguei a ver as imagens dela morta. Esse para mim foi um trabalho marcante. E agora esse do Antônio Cláudio. O fato de ele ter permanecido preso por cinco anos como estuprador - que não é fácil - e posto em liberdade graças ao esforço de tanta gente. Eu fico muito feliz e honrado em ter colaborado com alguma coisa que ajudou a colocá-lo em liberdade.

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