Como é o dia de um soldado que atua na Operação Mandacaru

Reportagem conviveu, por uma manhã, com tropa do Exército enviada para a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em Fortaleza. Decreto presidencial que autoriza a presença dos militares no Estado tem validade até sexta-feira (6)

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Legenda: O repórter Nícolas Paulino (centro) vestiu-se como militar e acompanhou a atuação das tropas do Exército
Foto: FOTO: CAMILA LIMA

Era por volta das 6h quando encontramos os agentes da Operação Mandacaru num ginásio da Base Aérea de Fortaleza. Os 298 homens do Batalhão Guararapes, um dos quatro instalados em Fortaleza para a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) durante o motim dos policiais militares do Ceará, ainda dormiam nas tendas individuais verde-oliva ou nos beliches equipados com ventiladores. Ao todo, 2,5 mil militares de seis estados atuam na Capital, no Crato e em Juazeiro do Norte até 6 de março, segundo decreto presidencial.

Após o chamado do comando por alto-falantes, os agentes de segurança partem para a higiene pessoal. Em seguida, na linha do servir, aguardam receber o café da manhã; na ocasião, café com leite e pão com queijo, preparados por uma equipe de provisionamento, que acorda ainda mais cedo. A marmita dos soldados do Exército, parecida com uma caçarola, é coberta com um saco plástico para facilitar a higiene.

Enquanto o ginásio vivencia o desjejum, a sala do Controle Operacional (COP) - o coração da Operação - decide os destinos das patrulhas. Dez militares de maior patente cruzam dados geográficos com os de ocorrências criminosas e elaboram as estratégias do dia. Os horários das rondas nunca são os mesmos para "manter o elemento surpresa" e os possíveis criminosos "sob constante tensão", explica um oficial do Exército.

Quem não está na escala do momento aproveita o tempo livre de outras formas. TV, livros e músicas como o rap são opções, mas disputadas mesmo são as tomadas para manter os celulares acesos e atualizar a família e amigos que ficaram no Rio Grande do Norte, em Pernambuco, na Paraíba. Grande parte dos enviados ao Estado do Ceará tinha viagens de Carnaval marcadas quando receberam o chamado para a missão.

Peso

Antes de subirmos nas marruás, as viaturas abertas que circularam pela cidade nos últimos dias com homens munidos de fuzis IA-2, calibre 5.56, precisamos nos vestir como os soldados. Blusa, gandola (tipo de casaco), calça, cinto, meias, coturnos, colete e capacete nos fazem pesar dez quilos a mais. Na rua, com o sol, parece o dobro.

Em comboio, soubemos como funciona a patrulha nos carros - sete homens em cada-, mas também a pé. Em fileiras, a cada dez passos, um olhar para a retaguarda. Em média, dependendo da área, são cobertos de dois a quatro quarteirões. Na ronda, que durou cerca de uma hora e meia, percorremos vias próximas à Avenida Washington Soares.

Sem ocorrências, retornamos à Base. Os militares, com a postura sempre séria. No trajeto, um deles conversa com a esposa. A filha pequena ilustra a proteção de tela do aplicativo de mensagens.

Com o tempo, o colete pressiona os pulmões. Alívio mesmo é retirá-los, antes de sermos apresentados ao grupamento de cães de guerra. Para o Ceará, foram enviados os valentes Tainá e Taz, além de um farejador - temporariamente fora de serviço por ter machucado a pata. Outra demonstração a que tivemos acesso foi a dos urutus, os (quentes) tanques blindados com capacidade para até 14 pessoas, utilizados em áreas urbanas com risco crítico de confronto.

Hora do almoço. Recebemos o saco da ração operacional de combate para 24 horas: café da manhã, almoço e janta vêm embalados e já previamente preparados. Um mini-fogareiro aceso com álcool em gel permite o aquecimento antes da ingestão. Estrogonofe, feijoada e picadinho estão entre as opções, mas soldados divergem: uns preferem o arroz com linguiça; outros, o macarrão com legumes. Prático de fazer e de comer.

Rotina

É nesse ambiente que quase 300 homens se aglutinam "para servir e proteger a sociedade cearense", frisam. Ainda não se sabe até quando eles ficam na Capital. A GLO autorizada pelo presidente tem validade até sexta-feira, mas uma nova canetada pode pôr fim à ocupação dos "profissionais do caos", como disse um tenente-coronel. Um caos organizado, diga-se de passagem, porque "a rotina faz com que os homens criem responsabilidade e, numa situação de combate, possam manter sua moral elevada".

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