Chacina do Curió: os resultados dos cinco julgamentos e os desdobramentos para os próximos anos
A Chacina do Curió completa 10 anos nesta terça-feira (11). O caso chegou à fase de julgamentos em junho de 2023, após 7 anos e 7 meses da matança. Em cinco júris populares realizados até então, 21 policiais militares foram absolvidos e 8 PMs foram condenados pelos homicídios. Mas essa história ainda não acabou, e novos desdobramentos são esperados para os próximos anos.
Em reportagem publicada na última segunda-feira (10), o Diário do Nordeste relembrou como aconteceu a Chacina do Curió e destacou que os massacres continuam acontecendo.
PMs foram denunciados pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) como responsáveis pela Chacina do Curió. Entre eles, agentes que estavam de serviço pela Polícia Militar do Ceará (PMCE) e militares de folga.
A Justiça Estadual recebeu a denúncia contra 44 policiais militares, que viraram réus no processo criminal. A exceção foi o comandante do Policiamento da Capital naquela noite de 11 de novembro de 2025.
Em entrevista concedida ao Sistema Verdes Mares, em outubro deste ano, a promotora de Justiça Alice Iracema Aragão explicou que o processo criminal da Chacina do Curió precisou ser desmembrado em três ações penais, devido à complexidade.
"Foi determinado que um colegiado de juízes ia presidir essa ação penal, que foi dividida em três núcleos: os réus da execução, que foram sete PMs que estavam de folga; os réus da omissão, que estavam em sete viaturas; e os réus da tortura, que estavam em três viaturas do serviço Reservado", explicou a promotora de Justiça.
Vítimas sobreviventes e testemunhas da Chacina foram ouvidas e os réus, interrogados, perante os juízes. Após a instrução processual, os magistrados decidiram levar 34 policiais militares a julgamento.
Contra os outros 10 PMs acusados, a Justiça concluiu que não havia indícios suficientes para levá-los a júri popular.
de julgamento foram somadas nas cinco sessões. Esse é o julgamento mais longo da história da Justiça do Ceará.
As defesas dos militares entraram com recursos contra a sentença de pronúncia (decisão de levar a julgamento) e conseguiram desclassificar os crimes atribuídos a três PMs, para serem julgados na Vara da Auditoria Militar - e não pelos homicídios.
Restaram 31 policiais na mira do banco dos réus. Entretanto, um deles, o soldado Daniel Campos Menezes, foi morto em uma tentativa de assalto, no bairro José Walter, em Fortaleza, em junho de 2020.
Ouça a reportagem especial veiculada na Verdinha FM:
O maior julgamento da história
Os julgamentos dos policiais militares pela Chacina do Curió começaram no dia 20 de junho de 2023. Após seis dias, o júri popular (formado por sete pessoas da sociedade) decidiu condenar quatro PMs pelos homicídios. Com a condenação, o colegiado de juízes decidiu pela expulsão dos militares dos quadros da PMCE.
Conforme a denúncia do Ministério Público do Ceará, os quatro policiais estavam de folga na noite de 11 de novembro de 2015 e foram à Grande Messejana para se vingar da morte do soldado Valtenberg Charles Serpa.
Confira o resultado do primeiro júri:
- Antônio José de Abreu Vidal Filho - condenado a 275 anos e 11 meses de prisão e expulso da Polícia Militar;
- Ideraldo Amâncio culpados - condenado a 275 anos e 11 meses de prisão e expulso da Polícia Militar;
- Marcus Vinícius Sousa da Costa - condenado a 275 anos e 11 meses de prisão e expulso da Polícia Militar;
- Wellington Veras Chagas - condenado a 275 anos e 11 meses de prisão e expulso da Polícia Militar.
Três réus saíram do julgamento presos. A exceção foi Antônio José de Abreu Vidal Filho, que morava nos Estados Unidos e não voltou ao Brasil para participar do júri. Ele entrou na Lista de Procurados da Interpol (Polícia Internacional), após a condenação, e acabou detido e extraditado ao Brasil, no último mês de setembro.
No dia 29 de agosto de 2023, começou o julgamento de oito PMs - que estavam de serviço no dia da matança. Para o MPCE, as equipes policiais se omitiram de socorrer as vítimas. Após nove dias, o júri popular decidiu absolver todos os acusados.
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Confira o resultado do segundo júri:
- Sargento PM Francinildo José da Silva Nascimento - absolvido de todas as acusações;
- Sargento PM José Haroldo Uchoa Gomes - absolvido de todas as acusações;
- Cabo PM Ronaldo da Silva Lima - absolvido de todas as acusações;
- Cabo PM Thiago Aurélio de Souza Augusto - absolvido de todas as acusações;
- Soldado PM Gaudioso Menezes de Mattos Brito Goes - absolvido de todas as acusações;
- Soldado PM Gerson Vitoriano Carvalho - absolvido de todas as acusações;
- Soldado PM Josiel Silveira Gomes - absolvido de todas as acusações;
- Soldado PM Thiago Veríssimo Andrade Batista de Moraes - absolvido de todas as acusações.
O terceiro julgamento foi realizado ainda em 2023, no dia 12 de setembro. No banco dos réus, mais policiais que estavam de serviço, na noite da matança. Seis militares foram absolvidos pelos homicídios, após cinco dias de sessão.
O réu José Oliveira do Nascimento foi condenado a 210 anos e 9 meses de prisão, por 11 homicídios, três tentativas de homicídio e três torturas. Já José Wagner Silva de Souza foi sentenciado a 13 anos e 5 meses de reclusão, por três crimes de tortura.
Confira o resultado do terceiro júri:
- Tenente PM José Oliveira do Nascimento - condenado a 210 anos e 9 meses de prisão e expulso da Polícia Militar;
- Subtenente Antônio Carlos Matos Marçal - teve um crime desclassificado para a Vara da Auditoria Militar e foi absolvido pelos outros;
- Sargento PM Clênio Silva da Costa - absolvido;
- Sargento PM Francisco Helder de Sousa Filho - absolvido;
- Sargento PM José Wagner Silva de Souza - condenado a 13 anos e 5 meses de prisão;
- Sargento PM Maria Bárbara Moreira - absolvida;
- Cabo PM Antônio Flauber de Melo Brazil - absolvido;
- Soldado PM Igor Bethoven Sousa de Oliveira - absolvido.
Os outros dois julgamentos foram marcados para este ano de 2025. No dia 25 de agosto, sete policiais - que também estavam de serviço na noite de 11 de novembro de 2015 - começaram a ser julgados. Após uma semana, eles foram absolvidos pelo júri popular.
Confira o resultado do quarto júri:
- Sargento PM Farlley Diogo de Oliveira - absolvido;
- Cabo PM Daniel Fernandes da Silva - absolvido;
- Cabo PM Gildácio Alves da Silva - absolvido;
- Soldado PM Francisco Fabrício Albuquerque de Sousa - absolvido;
- Soldado PM Francisco Flávio de Sousa - absolvido;
- Soldado PM Luís Fernando de Freitas Barroso - absolvido;
- Soldado PM Renne Diego Marques - absolvido.
Três réus estavam com o júri marcado para o último dia 22 de setembro. Entretanto, o soldado Eliézio Ferreira Maia Júnior alegou insanidade mental, e a Justiça decidiu suspender o processo em relação a ele, até que a saúde do militar seja restabelecida.
Já Luciano Breno Freitas Martiniano e Marcílio Costa de Andrade foram a julgamento e, após quatro dias, terminaram condenados à prisão, pelos homicídios.
Confira o resultado do quinto júri:
- Cabo PM Luciano Breno Freitas Martiniano - condenado a 275 anos e 11 meses de prisão e expulso da Polícia Militar;
- Soldado PM Marcílio Costa de Andrade - condenado a 315 anos e 11 meses de prisão e expulso da Polícia Militar.
As defesas dos policiais militares alegaram, durante o processo e os julgamentos, que não existiam provas para condenar os PMs que estavam de folga pelos homicídios.
Em relação aos militares de serviço, as defesas negaram que os clientes tenham se omitido de prestar socorro às vítimas da Chacina e de atender às ocorrências para as quais foram acionados pela Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops), na noite da matança.
A gente queria ter só o direito de ter os nossos filhos do nosso lado. Hoje, encerra essa luta do Curió. Encerra com muita dor, com muito sofrimento, mas, sim, com justiça. Não vou dizer com vitória, porque não é vitória. Não é vitorioso você ver ninguém condenado (à prisão). Não é vitorioso você ver que o seu filho não está dentro da sua casa."
Apesar das absolvições da maioria dos réus julgados (21 de 29), a mãe de Alef Souza Cavalcante (uma das vítimas da Chacina do Curió), Edna Souza Cavalcante, afirmou - após o último julgamento - que a sensação é de que "a justiça foi feita".
Os próximos desdobramentos do caso
Os cinco julgamentos não encerraram o caso conhecido como Chacina do Curió. O Ministério Público do Ceará recorreu ao Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) sobre as absolvições dos réus, ao passo que as defesas dos PMs condenados também recorreram. Os recursos devem ser julgados a partir de 2026.
O soldado PM Eliézio Ferreira Maia Júnior, que alegou insanidade mental à Justiça, também pode ser julgado, nos próximos anos. A defesa do militar sustenta que ele não tem condições psicológicas de ir a júri popular.
Representantes da defesa dos policiais militares também esperam que a Polícia aprofunde provas surgidas há cerca de sete anos, a partir da prisão de um homem, que afirmou ter participado da Chacina do Curió e conhecer os outros autores da matança.
"Em 2018, não tinha começado ainda nenhum júri, surgiu a pessoa de um ex-policial militar, que foi preso. Durante a prisão, ele declarou a participação dele na Chacina do Curió e nominou outros homens, em torno de cinco a seis, que teriam participado, juntamente com ele, de todos os crimes da Chacina. Os carros que eles andavam batem justamente com as imagens dos carros em locais de crime", pontuou o advogado Francisco Sabino Sá.
Foi um trabalho muito exaustivo, feito com muita responsabilidade. Nós sabemos que tinham policiais civis envolvidos, mas nós não conseguimos identificar. Tinham outros policiais também, que nós não conseguimos identificar. Eram mais de 100 homens, e o que a gente conseguiu produzir foi isso, e a sociedade aceitou."
A promotora de Justiça Alice Iracema Aragão reconhece que dezenas de autores da Chacina não foram identificados na investigação.
A integrante do MPCE destaca que "o sentido pedagógico desse trabalho, do resultado desse julgamento, foi muito importante" - para evitar a participação de novos agentes de segurança em crimes.
"Nós sabemos que, na Polícia Civil, na Polícia Militar, no Ministério Público, a maioria esmagadora dos integrantes dessas instituições são cidadãos e cidadãs de bem, que vestem a camisa, que têm um compromisso com a promoção da justiça. E poucos deles se afastam desses pressupostos", completa a promotora de Justiça.