Assim como nas ruas, um novo pico de casos de Covid-19 vem sendo registrado dentro dos centros socioeducativos no Ceará. A reportagem apurou que desde o início do último mês de dezembro até essa terça-feira (25), pelo menos nove equipamentos registraram confirmação da infecção pelo coronavírus dentre os adolescentes internos. Junto à escassez de vagas suficientes para acomodar todos os jovens em conflito com a lei com medida de internação determinada pela Justiça e a necessidade de reformas urgentes nas unidades, veio o pedido para liberar parte dos adolescentes.
Conforme promotor e juiz com atuação na Justiça da Infância e da Juventude de Fortaleza, a Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas) solicitou recentemente progressão de medida para um grupo de quase 40 adolescentes. O argumento principal seria que os centros precisavam reduzir capacidade devido à reformas estruturais e que determinados adolescentes já estavam ressocializados, prontos para voltar às ruas.
Atualmente, há em torno de 600 vagas nas unidades na Capital. Por nota, a Pasta negou que haverá necessidade de redução da capacidade das unidades em função de reformas e disse não haver atualmente "nenhum caso de adolescente em isolamento ou com Covid-19". De acordo com a Seas, o acesso aos centros se dá mediante apresentação do passaporte de vacinação e "todos os profissionais e adolescentes do Sistema Socioeducativo do Estado do Ceará estão vacinados" para esta doença.
A reportagem teve acesso a dados indicando que do dia 1º de dezembro de 2021 até 25 de janeiro de 2022 foram notificados 129 casos suspeitos de adolescentes infectados pelo coronavírus e outros 325 em colaboradores. Destes, 19 jovens internos e 161 servidores ou terceirizados positivaram.
Desde o início da pandemia, quando começaram a realizar testes nestes equipamentos, quase mil adolescentes e colaboradores do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo do Ceará foram detectados com o vírus. Os dados estavam quase zerados há cerca de dois meses, e voltaram a subir no fim do ano passado.
Onde estão os adolescentes recentemente infectados:
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Aldaci Barbosa Mota 4
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Antônio Bezerra 1
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Canindezinho 1
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Cardeal Aloísio Lorscheider (CSCAL) 3
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Dom Bosco 3
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São Francisco 1
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São Miguel 1
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Semiliberdade Mártir Francisca 1
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Unidade de Recepção LBM 4
Para o juiz Manuel Clístenes, titular da 5ª Vara da Infância e Juventude de Fortaleza, os números indicam que "onde há mais casos são nos centros provisórios, quando os adolescentes acabam de chegar das ruas". Já entre os servidores, o magistrado recorda que "é previsto o número de casos positivos dentre eles ser maior, porque transitam mais".
"Os profissionais com sintomas gripais são imediatamente afastados, e os adolescentes são colocados em isolamento, sendo que em todos os casos é garantida a testagem, respeitado o período de isolamento, e os adolescentes positivados são liberados para o convívio somente após avaliação médica. A Seas disponibiliza máscaras para todos os profissionais e adolescentes, assegurando também o acompanhamento pelo Eixo de Saúde de Covid, utilizamos testagem na unidade de recepção", disse a Superintendência.
POSSÍVEIS LIBERAÇÕES
A reportagem tomou conhecimento sobre a existência de um impasse provocado a partir do momento que a Seas teria solicitado a saída de jovens sob alegação de precisar reformar unidades e que estes jovens já estavam ressocializados. A legislação prevê rever medidas a qualquer tempo, no entanto, para o promotor Leo Junqueira, da 5ª Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude, os casos precisam ser analisados com critério e individualmente.
Chegou ao conhecimento da promotoria de forma informal uma lista de quem poderia ter progressão de medida. A maior parte dos jovens já com 18 anos de idade.
"Se há redução temporária das vagas eles pedissem a liberdade conforme a lista e não que eles estariam ressocializados, o que não me parece ser o caso. O fato do jovem ter 18 anos não significa que ele saia do Centro Socioeducativo. Nós analisamos individualmente. Hoje não têm adolescentes internados com perfil de atos infracionais de menor potencial ofensivo. Já há uma lista de espera grande por vagas. Hoje eu garanto que não tá jovem em centro socioeducativo que cometeu ato leve. É de tráfico para cima. Atos como tráfico, roubo, homicídio e latrocínio", explica o promotor.
Manuel Clístenes demonstra preocupação com a redução das vagas e, consequentemente, possível reacomodação dos adolescentes em conflito com a lei. O juiz alerta sobre a existência de faccionados dentro dos centros socioeducativos que não podem ter contato com membros de organizações rivais, porque correm risco de morte.
"As reformas precisam acontecer. Mas, automaticamente, quando se reforma algum bloco é preciso reacomodar em outras áreas. Isso gera uma tensão. Se perde 15% a 20%, por exemplo, da capacidade de um centro, automaticamente os adolescentes se concentram em uma área menor, em um menor número de dormitórios, e isso representa um problema para o Sistema Socioeducativo", pontua o magistrado.
O promotor destaca a necessidade da Pasta se fundamentar juridicamente para o pedido, já que existe determinação própria do Supremo Tribunal Federal (STF) para não permitir superlotação nestes equipamentos. A reportagem chegou a também questionar a Superintendência sobre quantos adolescentes precisariam ser liberados para o início das reformas e em quais prédios aconteceriam as manutenções, mas não recebeu resposta.