Líder de aldeia explica trajetória de coragem na luta por direitos à etnia indígena

“Eu me encontrei com 39 caciques e só eu de mulher no meio deles. Eles estranharam, disseram que não era certo uma mulher ser cacique", disse a líder

Escrito por Redação ,

A aldeia indígena Jenipapo-Kanindé, localizada às margens da Lagoa da Encantada e próxima ao Morro do Urubu, em Aquiraz, conta com uma liderança feminina que assumiu a comunidade em 1995, enfrentando preconceitos, grandes empresários, agressões à Mãe Terra e, sobretudo, conquistando direitos ao povo de sua etnia. Maria de Lourdes da Conceição Alves atende pela alcunha Pequena. Cacique Pequena, aos 69 anos, a mulher é mãe de 16, avó de 54 e bisavó de 15 indígenas. 

A etnia era conhecida como Cabeludos da Encantada até o final da década de 1970, devido aos longos fios de cabelo que os índios preservavam. Com a chegada de pesquisadores e entidades que atuavam na política indigenista local, foi descoberto que as pessoas que habitavam a região pertenciam a quatro raízes – Payakú, Jenipapo, Kanindé e Tapuia. O nome da etnia foi modificado para Jenipapo-Kanindé, deixando os próprios índios contrariados, embora já tenham se acostumado com o etnônimo. 

À época, Odorico era o cacique da aldeia, porém, a índia sempre esteve ao lado do líder em busca de benefícios para o povo da Encantada. Com a morte do então cacique, em 1992, a aldeia aguardou um hiato de três anos até que uma nova líderança estivesse à frente da comunidade. Somente em 6 de março 1995, os Jenipapo-Kanindé se reuniram com advogados da Fundação Nacional do Índio (Funai) que trabalhavam com a aldeia e apontaram Pequena como a nova cacique do lugar. A índia resistiu, ela mesma não acreditava que uma mulher poderia se tornar líder de uma etnia indígena.

“Como eles persistiram muito aceitei, no dia 6 de março de 1995. No dia 12 de março de 1995, eu botei o pé no mundo mais uma vez”, conta Pequena, se referindo à reunião em Brasília onde se apresentou a outros líderes indígenas do Brasil. 

“Eu me encontrei com 39 caciques e só eu de mulher no meio deles. Eles estranharam, disseram que não era certo uma mulher ser cacique. Mas eu, com minha simples humildade, disse para ele que a mulher não tinha vindo no mundo só para ser cama e pé de fogão, porque eu levei uma piada deles desse jeito”.

Conquistas

Com o passar dos anos, cacique Pequena mostrou a etnias de todo o Brasil e a outros segmentos da sociedade que possui o potencial necessário para administrar uma aldeia indígena. Até os 67 anos, a índia só sabia escrever o próprio nome e nunca tinha entrado em uma escola como estudante, embora tivesse conquistado uma nova instituição de ensino para o povo da Encantada – em 2007, o espaço arquitetado pela Funai em forma de cocar foi inaugurado e, atualmente, abrange corpo docente quase completamente formado por índios Jenipapo-Kanindé. Agora, aos 69 anos, cursando o EJA (Educação para Jovens e Adultos) na Escola Indígena Jenipapo-Kanindé, já aprendeu a ler e a escrever algumas palavras e pensa em fazer faculdade para ajudar ainda mais o seu povo.  “Eu só paro de estudar quando eu morrer”, garante. 

Além da instituição de ensino, é possível encontrar, na aldeia, Centro de Referência de Assistência Social (Cras Indígena), Posto de Saúde e Museu e Pousada Indígena Jenipapo-Kanindé, que geraram emprego e renda para grande parte dos indíos da etnia, conquistas da batalha da forte Pequena, antes e depois de ter se tornado cacique. Mas ainda há muitos planos dos indíos da etnia a serem concretizados, especialmente, no que diz respeito ao processo administrativo das terras indígenas.

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