Histórias fantásticas formam o imaginário popular

O folclore do Cariri não se restringe aos grupos de reisado, maneiro pau, penitentes e folguedos que fazem da região a vitrine das manifestações populares. Folclore é também o conjunto de mitos e lendas que correm de sertão afora como símbolos e atributos de um povo ou de determinado grupo social. Centro geográfico do Nordeste, nação romeira de uma leva de adventícios que aqui chegaram arrastados pela fé no Padre Cícero, o Cariri transformou-se no sacrário de usos e costumes crendices e superstições que induzem a presságios tirados de fatos puramente fortuitos e fantasiosos.
As lendas são histórias contadas por pessoas e transmitidas oralmente através dos tempos. Misturam fatos reais e históricos com acontecimentos que são frutos da fantasia. As lendas procuraram dar explicação aos acontecimentos misteriosos ou sobrenaturais, enquanto os mitos são narrativas que possuem um forte componente simbólico. Como os povos da antigüidade não conseguiam explicar os fenômenos da natureza, através de explicações científicas, criavam mitos com o objetivo de dar sentido as coisas do mundo. Os mitos também serviam como uma forma de passar conhecimentos e alertar as pessoas sobre perigos ou defeitos e qualidades do ser humano. Deuses, heróis e personagens sobrenaturais se misturam com fatos da realidade para dar sentido a vida e ao mundo.
Uma das histórias mais conhecidas no Cariri é a de Vicente “Finim” que, segundo a lenda, virava lobisomem nas noites de quinta para sexta-feira. Conta a história que quando uma mulher tem sete filhas e o oitavo filho é homem, esse menino será um lobisomem. Também o será, o filho de mulher amancebada com um padre. Sempre pálido, magro e orelhas compridas, o menino nasce normal. Porém, logo que ele completa 13 anos, a maldição começa. Na primeira noite de terça ou sexta-feira, depois do aniversário, ele sai à noite e vai até um encruzilhada. Ali, no silêncio da noite, se transforma no “tal bicho” pela primeira vez, e uiva para a lua.
No caso de Vicente Finim, cujo nome verdadeiro é Vicente Araújo, a maldição de virar lobisomem lhe foi imposta porque ele teria de provocado o assassinato de sua mãe. A lenda conta que Vicente, ao levar o almoço do seu pai que trabalhava na roça, comeu a carne no caminho e disse que teria sido um homem que estava com sua mãe. O velho voltou para casa enciumado e matou a esposa de faca. Ao morrer, a mãe de Vicente Finim teria deixado à maldição, dizendo que a pessoa que levantou aquele falso, ia ser transformado em lobisomem.
Daí em diante, toda terça ou sexta-feira, ele corria pelas ruas ou estradas desertas com uma matilha de cachorros latindo atrás. Nessa noite, ele visitava, sete partes da região, sete pátios de igreja, sete vilas e sete encruzilhadas. Por onde passava, açoita os cachorros e apagava as luzes das ruas e das casas, enquanto uiva de forma horripilante. Antes de o Sol nascer, quando o galo canta, o lobisomem volta ao mesmo lugar de onde partiu e se transforma outra vez em homem. Para quebrar o encanto, era preciso chegar bem perto, sem que ele perceba, e bater forte em sua cabeça. Se uma gota de sangue atingir a pessoa, ela também vira o bicho.
A história de Vicente Finim correu o mundo, fazendo medo a crianças e adultos. Entrou para o folclore regional, foi contada em versos pelos cordelistas. Ele morreu em 1985, no Sítio Cabeceiras, Município de Barbalha, negando as acusações. Mas nas entrelinhas deixava uma dúvida. Confessava que gostaria muito de namorar e trocava o dia pela noite à procura de um amor proibido.
Antônio Vicelmo
sucursal Crato