História da ferrovia no Ceará é eternizada em documentário

Escrito por Redação ,
Legenda: Estação de trem da cidade de Iguatu. A história da ferrovia começa com a implantação dos trilhos no Império, em 1870
Foto: Honório Barbosa
Sob o título sugestivo "O último apito", um documentário de 1h30 foi finalizado depois de seis anos de pesquisa

Iguatu. Depois de seis anos de pesquisa, entrevistas, fotos e filmagens, foi finalizada a edição do primeiro vídeo sobre a história da ferrovia no Estado do Ceará. Sob o título sugestivo "O último apito", o documentário de 1h30, com foco no relato emocionado de ex-ferroviários, resgata aspectos históricos, desde a implantação da estrada de ferro no fim do século XIX até a desativação do trem de passageiro na década de 1980. A direção é do memorialista Aderbal Nogueira, com produção de Maristela Mafuz. O apoio institucional para o trabalho foi do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai).

A ferrovia teve uma importância fundamental para o desenvolvimento do Estado. O trem de carga e de passageiros encurtou distância, facilitou as comunicações e ampliou em quantidade e velocidade o transporte da produção agrícola e pecuária do sertão para a Capital e de produtos industrializados no caminho inverso, de Fortaleza para o Interior do Ceará.

Implantação

O período retratado no vídeo compreende um pouco mais de um século. A história da ferrovia começa com a implantação dos trilhos ainda na época do Império, em 1870, para a construção do primeiro ramal entre Fortaleza e Parangaba. Em 1873, partia o primeiro trem, uma pequena composição puxada por uma máquina a vapor (Maria-Fumaça).

Depois os trilhos se estenderam até Baturité e foram avançando pelo sertão cearense até chegar à cidade do Crato, na região do Cariri, em 1927. A última viagem do trem de passageiro da Rede Ferroviária Federal (RFFSA) foi feita em 1988. Narrar toda essa história exige determinação. E foi justamente o que não faltou ao diretor, Aderbal Nogueira.

Mesmo sem apoio, somente a participação do Senai na fase de conclusão do trabalho, uma equipe de dez técnicos realizou dezenas de viagens por várias cidades do interior. O objetivo era colher imagens das antigas estações de trem, gravar depoimentos de ex-ferroviários, de operários que trabalharam na construção da via férrea e de vendedores que aguardavam com expectativa a chegada de cada trem ao bater do sino e na plataforma disputavam espaço com centenas de moradores, bem vestidos. Afinal, a passagem do trem era um acontecimento social nas pequenas cidades do sertão.

Exibições

O documentário "O último apito", em formato digital, foi finalizado há um mês. Inicialmente, foram feitas duas exibições fechadas para ex-ferroviários, no auditório da Estação Ferroviária João Felipe, em Fortaleza. "Foram momentos marcados por emoções, choro na plateia", contou Nogueira. "Depois, muitos vieram me abraçar e me agradecer. Eu também fiquei emocionado e posso dizer que realizei um sonho com esse trabalho", disse.

O sonho do diretor Aderbal Nogueira em produzir um documentário sobre a história da ferrovia no Ceará tem origem na infância. O avô dele, João Nogueira de Freitas, que é homenageado com a dedicação do vídeo, era funcionário da antiga Rede Viação Cearense (RVC), condutor de trole puxado a motor, a serviço de agentes e diretores da companhia em trabalho de fiscalização e inspeção entre as estações. "As viagens de trem estão na minha memória, fazem parte da minha vida", contou. "Era preciso homenagear os ferroviários e contar um pouco dessa história".

O documentário reúne "um bom material", na avaliação do diretor, e traz depoimentos de uma dezena de ferroviários aposentados. São relatos emocionantes. "Todos os antigos funcionários têm orgulho do trabalho que realizaram", frisou. "Era a vida de cada um". Por isso, a maioria chora ao relembrar os tempos difíceis das viagens nos trens, nas antigas locomotivas a vapor, as marias-fumaças, e depois em modernas máquinas a motor diesel.

"Era um trabalho pesado, sofrido, mas todos carregam saudades", observa Aderbal Nogueira. Mas também havia charme. O uniforme era elegante, o maquinista usava gravata e era uma pessoa importante. "Muitos relembram do balanço do trem e da chegada nas estações onde existiam muitas pessoas aguardando parentes ou simplesmente iam ver o trem passar", contou.

Lembranças

O maquinista aposentado, Francisco Monte, dá um depoimento emocionante e de triste memória. "Na seca de 1932, vi muita gente morrendo de fome, na calçada da estação de Iguatu e de Afonso Pena (hoje Acopiara)". Em meio a lágrimas recorda: "Era uma cena triste, que doía na gente. Multidão querendo embarcar em direção à Capital para fugir da morte. Os flagelados eram barrados em Senador Pompeu, onde havia um campo de concentração de sertanejos famintos e doentes".

A última viagem de trem entre as cidades de Camocim e Sobral, na Zona Norte, é relatada no depoimento do ex-maquinista, José Rodrigues, o Zequinha. "O povo ficou no meio dos trilhos, chorando, sem querer deixar o trem partir", relembrou. "Eu também chorava muito. Foi triste".

O pesquisador de música e memorialista, Christiano Câmara, apresenta um desabafo contra a extinção do trem de passageiro, da valorização do transporte rodoviário em detrimento do ferroviário. "Na Europa, o trem é exemplo de luxo e progresso, mas no Brasil é de pobreza e retrocesso".

O transporte ferroviário de passageiros atendia a necessidade das famílias de baixa renda. A sua extinção provoca ainda hoje revolta no pesquisador Câmara e no diretor do documentário. "Foi um crime o que fizeram", disse Nogueira.

A ferrovia impulsionou o desenvolvimento do Ceará. "Quando o trem chegava do Interior, as mercadorias eram transportadas em lombo de animais em Fortaleza porque naquela época não havia carro", observa o engenheiro aposentado da RFFSA, Hamilton Pereira. Os produtos seguiam para os mercados, casas comerciais e para as indústrias. "Esse documentário tem importância fundamental para o resgate da história da ferrovia", destacou.

A produção do documentário "O último apito" não tem fins comerciais. O produtor Aderbal Nogueira pretende exibir o vídeo nas cidades do interior onde há ferrovia. "Esse é o meu sonho", disse. "É um resgate da memória da ferrovia que dedico aos ferroviários, ao povo do meu Estado".

Sonho

"A produção desse documentário é a realização de um sonho, e dedico aos ferroviários"
Aderbal Nogueira
Produtor

Fique por dentro
Pioneiro

O primeiro trem no Ceará saiu de Fortaleza em direção a Pacatuba em 30 de novembro de 1873. A Estação de Trem de Fortaleza, conhecida por Central, foi construída em 1880 e a denominação oficial de Estação João Felipe, em homenagem ao ministro cearense, no governo republicano de Floriano Peixoto, ocorreu em 1946. Atribui-se a padre Cícero a intenção de que a ferrovia não seguisse até a cidade de Crato. O fim da linha férrea seria em Juazeiro do Norte. O documentário "O último apito" tem imagens de Aderbal Nogueira, Wilson Freires, Izaías de Lima, Marcos André Rodrigues e Willam Lima. Reportagens de Lívia Fersernache e Vânia Galceran. A edição é de Marcos André Rodrigues e Wellington Julião. A fotografia é de Aderbal Nogueira e Wilson Freires, e fotos do arquivo de Hamilton Pereira, Assis Lima, Nirez e da Rede Ferroviária Federal (RFFSA).

MAIS INFORMAÇÕES
Laser Vídeo
Rua Tibúrcio Cavalcante, 2593,
Fortaleza. Telefone: (85) 3224. 7090
E-mail: laser.video@terra.com.br

Honório Barbosa
Repórter