Grupo Rosário da Mãe de Deus está em extinção

Escrito por Redação ,
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Dos 40 integrantes do grupo Rosário da Mãe, sediado em Juazeiro do Norte, restam apenas seis participantes

Juazeiro do Norte Um dos mais tradicionais e conhecidos grupos de penitentes do Cariri está chegando ao fim. São os Penitentes do Rosário da Mãe de Deus que residem no Bairro Tiradentes, periferia de Juazeiro. Com a morte do seu principal líder, José Ave de Jesus, e de outros seguidores, o grupo está se dispersando. Dos quase 40 integrantes que circulavam nas ruas de Juazeiro, nos dias de romaria, restam somente seis. Os mais jovens não suportaram a dura disciplina imposta. Sentada na porta de sua casa, com um rosário na mão, dona Maria Ave de Jesus (este é o nome de todas as mulheres do grupo) lamenta a ausência do chefe. Para ela, a organização religiosa não tem mais sentido. "Estamos todos no pé de mourão, aguardando a hora de ser chamado", diz referindo-se a morte.

Enquanto a morte não vem, ela permanece fiel aos ensinamentos deixados pelo decurião José Ave de Jesus, que morreu em 1999. Na sala de visita, adornado de santos, entre eles as fotos do José, ela guarda as bandeiras que portavam quando caminhavam em procissão nas ruas de Juazeiro.

Dentro do quarto, uma cama de solteiro, bem forrada com lençóis brancos, onde foram cuidadosamente instalados um quadro com a imagem do Padre Cícero e dois livros: "A Vida de Jesus Cristo" e "A Missão Abreviada", um exemplar antigo de uma publicação de autoria do padre Manuel José Gonçalves Couto, editado em Portugal, em 1859. O livro é uma espécie de bíblia dos penitentes.

Eles não usam dinheiro, não trabalham, não compram nem vendem nada. Suas casas são de taipa e não têm nem luz elétrica nem água encanada. Não matam nenhum animal e dependem da caridade para ter carne para comer. Eles não possuem documentos. Todos são chamados de Maria ou José Ave de Jesus. Dona Maria diz que o seu documento é o rosário da mãe de Deus.

Vestido de azul, com cabelos e barbas compridos, o penitente José Ave de Jesus volta para casa com uma cesta na cabeça cheia de mantimentos. José tem uma conotação especial dentro do pequeno grupo que restou. Ele pretende dar continuidade ao trabalho missionário com a publicação de uma nova edição do livro "Missão Abreviada", o mesmo livro que, segundo Euclides da Cunha, era utilizado pelo líder messiânico Antônio Conselheiro, uma espécie de guia para pregações, indicado para "despertar os descuidados e converter os pecadores".

Para isso, ele transformou sua pequena casa no Bairro Tiradentes num centro de distribuição do livro. José garante que não vende a publicação "por dinheiro nenhum do mundo", mas se o interessado quiser pagar, ele recebe como forma de ajuda para atender ao compromisso que ele tem com a gráfica. Em uma de suas meditações, o livro Missão Abreviada diz que o "Juízo Final" se aproxima. "O mundo está perto de acabar. Os sinais estão aí: pestes, guerras, inundações e terremotos. Tudo isso é o princípio de grandes dores e grandes males. O mundo vai ser abrasado com espantosos redemoinhos de fogo e será reduzido a um montão de cinzas com todos os seus viventes", está escrito.

A Morte

O livro descreve a morte como um sentença tenebrosa. "A tua alma entrará na porta da eternidade, teu corpo será depositado em uma sepultura. A morte já está com a espada desembainhada, a tua hora se aproxima". É dentro dessa visão sinistra que os Ave de Jesus pregam de casa em casa.

Como tantos outros penitentes, eles acreditam que os eventos bíblicos aconteceram em Juazeiro: o começo dos tempos, a Paixão e Ressurreição do Cristo. Não é apenas uma questão de crença, dizem saber e provam com evidências materiais: as pegadas de José e Maria, os fósseis de peixes, facilmente encontrados na região do Cariri, são evidências de que ali, naquele mesmo lugar, houve o dilúvio, o nascimento do Cristo e sua ressurreição. Os penitentes acreditam que Padre Cícero seja o "Filho de Deus reencarnado", e o "Próprio Pai".

Com este discurso, que mescla partes do Apocalipse com citações do Antigo Testamento e A Missão Abreviada, eles garantem que, no mundo atual, a exemplo dos tempos de Noé, apenas uns poucos escolhidos serão salvos.

O "mestre" do Aves de Jesus acredita que o Cariri é a Terra Prometida, por ser o local onde viveu e pregou o Padre Cícero. "O mundo começou aqui e aqui será terminado e renovado". Ao fazer este sermão, o penitente mostra na manga da camisa um emblema com as iniciais: PMCF que, segundo afirma, são as letras que governam o mundo. "Pai, mãe, céu e fé", traduz.

Antônio Vicelmo
Repórter


INCONSCIENTE COLETIVO
Território propício para pesquisas

Crato
A região denominada Cariri, situada no sul do Ceará, fronteira dos Estados de Pernambuco, Piauí e Paraíba, possui características diferenciadas no seu entorno geográfico por apresentar clima menos tórrido, vegetação de cerrado e vale fértil, isto em face da Chapada do Araripe, em torno da qual se estabelece.

Suas principais cidades, que formam um triângulo próspero, Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, surgiram nos rastros do Ciclo do Couro, desvinculada, pois, dos primeiros europeus que chegavam ao litoral norte da Capitania.

As tradições originais, talvez por tais motivos, reservaram costumes bem característicos, em parte ligados ao passado medieval português e ao catolicismo romano, em parte forjado nos remanescentes indígenas dos antigos habitantes.

Da miscigenação das duas culturas resultaram mitos ainda hoje anotados nas lendas correntes da caipora, protetora dos animais das matas; o lobisomem, mistura de humano com lobo guará; das mães d´água, locais onde se formam poças remanescentes, nos rios, escondidas entre pedras e barrancos, cobertas de vegetação; e do carneiro de ouro.

Com relação à fundação da cidade de Crato, há versão de que a vila se desenvolvera de antigo ponto de pouso de viajantes, carregadores em lombo de animais, tangedores de gado, onde vivia primitivo bruxo de nome Fidelis, arruado que depois conhecido por Curato de São Fidelis, até o Crato.

Alguns aspectos da herança popular trazem à baila, pela mitologia, notícias da existência, embaixo do altar mor da Catedral da Sé, em Crato, do que nomeiam a "cama da baleia". Quando os primeiros capuchinhos construíam a igreja, ao realizarem as obras iniciais, depositaram imagem trazida de Portugal da Nossa Senhora do Belo Amor no altar principal. Os habitantes questionavam a localização, porquanto a santa dali desaparecia, do dia para a noite, indo ser achada em sítio diferente do escolhido.

Dentre o que divulgam de visões do Padre Cícero, contam que, certa vez, viajando a cavalo entre Crato e Juazeiro, teria, em rápido cochilo, presenciado em sua frente um peixe graúdo, à altura de seu rosto.

Um incidente histórico registra que o Sítio Caldeirão, mais adiante sede da comunidade Caldeirão do Deserto, liderada pelo beato Zé Lourenço, ficou assim nomeado em face de nele ter sido encontrado o corpo sem vida de um jesuíta fugitivo das perseguições do Marquês de Pombal. Nos acontecimentos do Caldeirão, comunidade rural mística veio se ali organizada, depois extinta, nos fins da década de 30, pelas forças militares.

Há, também, aquele que pode ser classificado como o mito maior da região, a Pedra da Batateira, que diz respeito à maior das numerosas fontes de água que jorram das encostas da Chapada. Juazeiro do Norte, município estabelecido sob a égide do sacerdote católico Cícero Romão Batista, caracteriza-se pelo aspecto místico de sua cultura, agregando romeiros, beatos, rezadores etc.

O território caririense revela, portanto, universo propício a pesquisas detalhadas quanto aos modos de seu povo manifestar o Inconsciente Coletivo por meio das artes visuais, do artesanato, rituais, danças, literatura oral e religiosidade fervorosa. O fenômeno do Padim guarda estreita ligação com as mais ricas manifestações e buscas dos seres humanos para desvendar os mistérios do Desconhecido.

Emerson Monteiro
Especial para o Regional