Gerência de quem? Municipalização da iluminação pública ainda gera divergências no CE

Seis anos após a Aneel determinar que as cidades cearenses ficariam responsáveis por gerir a iluminação pública, quatro delas ainda lutam na justiça para fugir da normativa. Gestores alegam que a medida onera cofres municipais

Escrito por André Costa/Honório Barbosa , regiao@verdesmares.com.br

Quando a lâmpada de um poste público queima, a quem o morador deve recorrer? E quando falta energia em uma rua ou bairro? As respostas para estas perguntas, embora devessem ser uniformes, na prática ainda não são. Isto porque, mesmo diante da normativa da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que determinou, em 2013, a transferência dos serviços de manutenção do parque de iluminação pública para as prefeituras, quatro municípios do Estado, onde vivem mais de 180 mil pessoas, ainda resistem à normativa federal.

Os gestores alegam que a medida onera as receitas municipais. O presidente da Associação dos Municípios do Ceará (Aprece), Nilson Diniz, concorda. Segundo ele, para as pequenas cidades o serviço de manutenção do parque de iluminação pública é mais um ônus que traz dificuldades para as gestões. "As receitas não cobrem as despesas", frisou.

"As leis trazem novas responsabilidades sem os devidos recursos", avaliou Diniz. Ele recorda, ainda, que muitos parques foram entregues em estado de degradação, o que gera um custo ainda maior aos municípios com menos de 20 mil habitantes cuja arrecadação com tributos já é limitada para demandas básicas, como saúde, segurança e educação.

Judicialização

Numa tentativa de fugir da obrigatoriedade de assumir os parques de iluminação - isto é, a composição que engloba postes, fiações e lâmpadas - os gestores entraram na justiça para manter a iluminação pública sob responsabilidade da Enel.

As cidades de Icó, Arneiroz, Catarina e Boa Viagem tiveram decisão favorável nas instâncias superiores - Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF). A lista foi fornecida pelo Tribunal Federal 5, em Recife. A Enel se negou a informar quais os municípios estão em litígio judicial, confirmando apenas que "3% das prefeituras ainda não estão responsáveis pelo serviço".

No caso de Arneiroz, o STJ negou em 25 de julho passado recurso da Enel. Os recursos da Coelce e da Enel para Catarina foram negados em 2017. Já o processo de Boa Viagem está sob agravo de instrumento cujo recurso foi apresentado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A ação judicial de Icó está em andamento.

Em Catarina quando houve a edição da resolução da Aneel não havia sequer instituição da Contribuição de Iluminação Pública (CIP). "O Município não tinha como arcar com esse ônus", explicou o ex-prefeito Rafael Rufino. "Por isso, ganhamos em todas as instâncias judiciais", pontuou.

Posicionamento

Embora as decisões judiciais em todas as instâncias tenham sido favoráveis aos municípios, na prática, algumas prefeituras já assumiram o serviço de troca e expansão da rede de iluminação pública, ou seja, os gestores contrataram por meio de licitação empresas para a realização dos serviços. A medida foi adotada, conforme esclarecem os gestores, para garantir assistência mínima à população.

"Faz mais de um ano que o Município vem mantendo o serviço porque a Enel passa três meses e não atende à reclamação dos moradores", frisou o secretário de Infraestrutura de Jucás, Ademar Luna. Na semana passada, o Município decidiu assinar com a Enel o termo de regularização do parque de iluminação pública. O mesmo aconteceu com a cidade de Boa Viagem que optou, mesmo amparada por liminar judicial, assumir o serviço de reposição das lâmpadas nas vias públicas, conforme informou o procurador geral do Município, Tiago Fragoso.

Entretanto, nenhum termo foi assinado com a concessionária de energia elétrica do Ceará. Já na cidade de Arneiroz, na região dos Inhamuns, o impasse entre Prefeitura e Enel permanece, segundo garantiu o vereador Airles Feitosa. "Os moradores reclamam porque há muitas lâmpadas queimadas e pagam a CIP com valor que em alguns casos chega a 22% da conta de luz, mas a responsabilidade é da Enel", garantiu o parlamentar.

Em Catarina, atualmente o processo está em transição entre a Prefeitura e a Enel. "Não temos obrigação legal, há um impasse porque a Enel ficou de entregar todo o parque funcionando, mas até hoje isso não ocorreu", explicou o secretário de Governo, Luís Amâncio. Apesar da briga judicial, o Município instituiu, em 2017, a CPI e hoje realiza serviço de troca das lâmpadas dos postes públicos.

A postura dessas cidades, na avaliação do presidente da Aprece, já era esperada. Diniz recorda que, no passado, quando a normativa foi constituída, a Associação foi contra a resolução "e houve até mobilização", mas foi uma "luta vencida". "Alguns municípios podem até protelar, mas depois terão que assumir mais esse serviço", reconheceu com lamento Nilson Diniz.

Por nota, a Enel disse não "ter conhecimento das reclamações sobre iluminação pública no município de Arneiroz e que irá entrar em contato com os gestores municipais sobre o assunto". Quanto a Jucás, a companhia informou que o processo de recebimento do parque de iluminação pública por parte da Prefeitura está em andamento.

A Enel não se manifestou, entretanto, quanto à alegação dos municípios de que a mudança não teria viabilidade financeira. Nem tão pouco se essa normativa federal traria benefícios para as cidades.

Assuntos Relacionados