Ex-cangaceiro é recebido como herói no Cariri
A descoberta de que um dos mais temidos cangaceiros do grupo de Lampião, Antônio José da Silva, ou simplesmente, Moreno, ainda vive, em Belo Horizonte, movimentou o Cariri, em particular, Brejo Santo, sua terra natal e de onde fugiu acusado de assassinato antes de entrar para o bando. A notícia, publicada pelo Diário do Nordeste, na edição do dia 5 de março passado, motivou Moreno a voltar ao Ceará e ser recebido como herói.
O ex-cangaceiro do grupo de Lampião, Antônio José da Silva, conhecido por “Moreno” , 96 anos, que saiu de Brejo Santo, em 1930, escurraçado com vários crimes nas costas, foi recebido como herói na mesma cidade onde ele espalhou o terror e o medo. Moreno foi recepcionado com festas pelo prefeito da cidade, Arônio Lucena, secretários municipais e um grupo de vereadores. Concedeu entrevistas as emissoras de rádio e abraçou sobrinhos e amigos de infância.
O reencontro do passado com o presente aconteceu no Hotel Municipal, na entrada da cidade. Na Churrascaria Labareda, onde almoçou, Moreno reconheceu o profeta de chuvas e marcador de cacimbas Janeta Lucena que foi seu companheiro de brincadeiras nas ruas de Brejo Santo. Perguntou por seus colegas de escolas, entre os quais, Emílio Leite, irmão do ex-reitor da Universidade Federal do Ceará Fernando Leite. Emocionou-se quando foi informado que todos os seus irmãos morreram. Lembrou-se de Isaura, um velho amor que só foi esquecido quando conheceu Duvinha, sua atual mulher, que não o acompanhou porque está doente em Belo Horizonte, onde reside.
VOLTAS ÀS ORIGENS — Ao rever as ruas e sítios que fizera parte de sua infância, se admira com o crescimento de Brejo Santo e lamenta o desmatamento. “Antes, tudo isso era mata fechada”, lembra.
Na conversa com os parentes, entre risos e lágrimas e versos improvisados, reviveu a sua adolescência sofrida marcada por um ardente desejo de ser soldado de polícia. O destino, entretanto, lhe foi cruel. Terminou levando uma surra dos soldados de Brejo Santo, sob a acusação injusta de ter roubado um carneiro. Quando saiu da cadeia, matou o homem que o denunciou e o verdadeiro ladrão do carneiro.
Diante do pai, Manoel Francisco, assumiu um compromisso: “agora, vou ser cangaceiro do grupo de Lampião”. A partir daí virou uma fera. Matou e castrou alguns dos seus perseguidores. Ele nega estes crimes, dizendo que não assassinou ninguém em Brejo Santo. Mas a própria família confirma as atrocidades praticadas por Moreno que, com 19 anos, fugiu para a Paraíba. Em Cajazeiras, matou mais um. Fugiu para Alagoas, aonde já chegou com a fama de valente.
Tentou a profissão de barbeiro. Foi contratado por um proprietário rural para defender uma fazenda do ataque dos cangaceiros. Terminou se integrando ao grupo de Virgínio, cunhado de Lampião de quem se tornou amigo. Dirigiu o seu próprio grupo. Participou de todos os tiroteios entre cangaceiros e policiais na década de 30. Nas suas contas, matou cerca de 21 homens. Os historiadores dizem que este número é muito maior. Moreno justifica: “estava ali para matar e morrer, não tinha alternativa”. O velho cangaceiro complementa afirmando que não dava tiro perdido. “Só atirava, quando o inimigo estava na mira do meu mosquetão”.
Em 1939, voltou a Brejo Santo para se despedir da família. Fugiu para Minas Gerais, uma viagem que durou três meses por dentro do mato. Lá era conhecido como Antonio Souto ou Antonio Pernambucano, um exemplar pai de cinco filhos. Depois de passar 70 anos em silêncio sobre seu passado, resolveu contar parte da verdade aos filhos. Revelou que, quando cangaceiro, entregou um filho ao vigário de Tacaratu, em Pernambuco. A quebra do pacto de silêncio foi a pista para a família descobrir o resto da história. Moreno argumenta que só não revelou o segredo antes porque tinha medo de ser degolado e jogado para os urubus como aconteceu com muitos dos seus companheiros.
Antônio Vicelmo
enviado a Brejo Santo