Entre 2010 e 2018, Ceará tem redução de vegetação campestre e florestal

O Estado viu, por outro lado, a expansão da área agrícola e do Mosaico das Ocupações. Especialista aponta para devastação humana, enquanto Ematerce ressalta melhores condições de vida para a população

Escrito por Redação , regiao@svm.com.br
Legenda: A Chapada do Apodi é a região que concentra a maior área agrícola do Estado do Ceará
Foto: FOTO: CID BARBOSA

O mais recente levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que o Ceará perdeu 4% de Vegetação Florestal entre 2010 e 2018. A área é caracterizada por vegetação com porte superior a cinco metros e corresponde, hoje, a 14% do território cearense, o que equivale a 20.835 km². No mesmo período, houve expansão da área agrícola, cujo crescimento foi de 28,9%. O processo, segundo especialistas, representa fragmentação da cobertura vegetal nativa e avanço de ocupação humana nessas áreas.

Além disso, houve diminuição de 5,3% da vegetação campestre local (rasteira) e aumento de 13% em km² do Mosaico de Ocupações nestas áreas. Os números indicam maior uso das áreas de vegetação por parte da agricultura e, conforme a doutora em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP) Bernadete Freitas, as áreas verdes do Estado têm sido paulatinamente devastadas.

Na Chapada do Apodi, região que concentra a maior área agrícola do Estado, o avanço acompanha a expansão do modelo de modernização dos trabalhos no campo. "A Chapada é uma mancha de solos férteis no Ceará. O acesso à água e as condições de solo favorecem a atividade", explica Bernadete.

A evolução da atividade na Chapada acompanhou o observado no Estado. O último relatório sobre o Produto Interno Bruto (PIB) do Ceará, lançado pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), em novembro do ano passado, mostrou que a agricultura e as atividades de apoio e pós-colheita saltaram de 2,98%, em 2010, para 3,65% do PIB, em 2017. O setor saiu de R$ 2,062 bi para R$ 4.743 bi nesse período.

Antônio Amorim, presidente da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará (Ematerce), concorda que o incremento de novas tecnologias potencializou a permanência no campo, mas acrescenta que o avanço de ocupação é consequência, também, da melhoria nas condições de vida nessas regiões, o que facilita "a fixação da população". "Se deu, em parte, pela ampliação da oferta de educação, saúde, comunicação e mobilidade, que o Estado investiu nos anos mais recentes", avalia.

Bernadete Freitas acredita, no entanto, que o modelo de modernização acompanhou os pequenos agricultores apenas em um primeiro momento. A análise abrange os perímetros irrigados. Entre 1970 e 2004, 14 destes equipamentos entraram em operação no Ceará. "A partir da década de 1980 e 1990, há uma mudança. Expansão de áreas destinadas a empresas dentro dos perímetros, isso incorpora lotes de empresas", avalia.

Impactos

Para a pesquisadora, o Estado, por meio de incentivos fiscais, compactuou com a política de expansão agrícola. "Por exemplo, em relação aos agrotóxicos, o Ceará era o Estado, dentro do Brasil, que dava 100% de isenção de impostos a compra destes produtos. Isso contribuiu para o uso exacerbado e incentivou a agricultura".

Esta estrutura agrária, segundo a geógrafa, ao mesmo tempo que gera riqueza, acaba se concentrando nas mãos de um pequeno grupo de empresários de portes médio e grande, além de contribuir para o avanço do desmatamento.

"Por um lado, tem a oferta de emprego, mas por outro, há desigualdade no acesso à renda, implicações ambientais, que vão desde o desmatamento ao uso de agrotóxicos", pontua Bernadeth Freitas.

O presidente da Ematerce, porém, mostra que o cenário hoje é diferente. Segundo ele, agora, o governo estadual "tem sido rígido na aplicação de agrotóxicos, tendo inclusive sancionado uma lei que proíbe o uso de produtos químicos por via aérea para evitar a contaminação de áreas residenciais e mananciais de água". Além disso, o representante aponta que o governo vem colaborando com a Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Ceará (Adagri) para fiscalizar rigorosamente o uso de defensivos químicos.

O técnico da Ematerce Bergson Parente acrescenta que existem variáveis para a ocorrência da degradação, "como o super povoamento da caatinga pela pecuária, a forma do preparo do solo com equipamentos não adequados, as queimadas e as secas contribuem também, principalmente as consecutivas como as que ocorreram recentemente", avalia.

Tabuleiro de Russas

O historiador e pedagogo Reginaldo Ferreira amplia o leque de degradação para o Tabuleiro de Russas, analisando a destruição da mata ciliar dos rios Jaguaribe e Banabuiú. "Tiraram mata para produzir capim para o gado", critica. A avaliação é amparada pela análise do IBGE. Segundo Fernando Dias, gerente de Recursos Naturais do órgão, a área que apresentou maiores alterações foi a "região que vai dos arredores de Fortaleza e segue até Russas e Limoeiro do Norte, devido principalmente à expansão agrícola".

A fruticultura, principal atividade da região, também vem passando por um processo de crise devido à falta de chuvas. O cenário era marcante até 2019. "Reduziu muito pela seca", pontua Reginaldo Ferreira. Já Amorim acredita que o período de estiagem também tem outra consequência: o aumento de áreas de pastagem e a ampliação de áreas de desmatamento. "Isso se justifica pelo fato de que a atividade pecuária foi a única que cresceu nos anos de poucas chuvas".

No Ceará, as classes de uso e cobertura da terra definidas pelo IBGE são Vegetação Campestre (55,5% do território), Mosaico de Ocupações em Área Campestre (19,9%) e Vegetação Florestal (14% do território). O gerente do IBGE, Fernando Dias, explica que os mosaicos, tanto campestres como florestais, são heterogêneos. "Em uma área inferior a 1 km², na qual podem ser encontrados pastos, áreas agrícolas, silvicultura e remanescentes vegetais", ressalta.

Compensação

Conforme Amorim, a ampliação de áreas irrigadas, por meio de programas de fomento, afetou a caatinga, mas foi, também, compensada pelo Cadastro Ambiental Rural, pelo qual o agricultor reserva parte de sua propriedade para preservação da flora e da fauna. O registro é obrigatório para todos os imóveis rurais e visa integrar as informações das propriedades e posses rurais, a fim de compor a base de dados para controle, monitoramento e planejamento ambiental e econômico.

A partir disso, os proprietários são obrigados a realizar uma reposição florestal, o que contribui para a ocorrência de novas áreas reflorestadas. A Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) é a responsável por realizar essa cobrança. De acordo com o órgão, foram emitidos 14 certificados, entre 2013 e 2018, correspondentes a plantios consolidados. "As áreas dos referidos plantios podem ser contabilizados como áreas recuperadas", avalia a Semace.

Nesse período, 328,33 hectares foram reflorestados, mediante o plantio de 452.410 mil árvores. 2015 foi o ano com maior número de árvores plantadas, com 250.920. Na sequência está 2013, com 150 mil árvores em um único processo, na Estação Ecológica do Pecém, em Caucaia. "As novas áreas de plantio deverão seguir impactando positivamente na extensão das áreas recuperadas", destacou a Semace, em nota.