Dramas populares em cena

Escrito por Redação ,
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Dos terreiros para os palcos, manifestação protagonizada por mulheres é tema de encontro em Beberibe

Fortaleza - Toda mulher tem um pouco de Sherazade, a mítica personagem árabe que enganou a morte encantando seu algoz com histórias contadas por mil e uma noites. No Ceará, a tradição centenária dos dramas populares, encenações protagonizadas apenas por mulheres, reforçam uma cultura que se expressa com a força e a doçura do elemento feminino. Pouco conhecida e sob o risco constante de desaparecer, esta manifestação ganha apoio por meio de movimentos que buscam divulgar e valorizar os dramas populares, transformando-os em patrimônio imaterial.

Os moradores de Beberibe, localizado a 75 quilômetros de Fortaleza, conferiram um pouco desta tradição durante o I Encontro de Dramas Populares do Litoral Leste, que se encerra hoje. Organizado pela Ponto de Cultura Casa das Dramistas, o evento reúne, na Praia de Parajuru, 14 grupos de dramas de comunidades de Aracati, Beberibe, Caridade, Guaramiranga e Tabuleiro do Norte.

A programação de encerramento do encontro prevê, durante o dia, oficina de dramas para alunos de escolas públicas, depoimentos das mestras de dramas e uma exposição sobre o tema na Escola Municipal Monsenhor Jesus Joaquim Dourado. À noite, as brincantes mostram todo seu talento no Clube Recreativo de Parajuru, onde acontece o encerramento.

"Queremos que as dramistas possam se conhecer e trocar informações, pois o drama que se faz no sertão é diferente daquele encenado no litoral e assim por diante. Também é uma oportunidade para as pessoas conhecerem e se apropriarem dessa tradição, que por conta do tempo corre o risco de ser esquecida. É preciso que as novas gerações façam parte disso", define um dos organizadores do encontro, Evandro Vieira.

Corpo e voz

"Eu nunca vi tão paixão pela dança/ Num salão onde encontro um bom par/ Nem espiro, nem enfado e nem canso/ A dançar, a dançar, a dançar", cantam as dramistas em "Paixão pela Dança". Na praia, no sertão ou na serra, essas mulheres investem no ato criador para dar corpo e voz a farsas romanescas, histórias de pescador, lendas e eventos históricos.

Donas-de-casa, artesãs, moças e mulheres simples fazem de quintais e terreiros o seu palco, onde reinam absolutas cantando a graça do seu rincão, seus "causos", lendas e histórias. Com maquiagem e roupas de brilho transformam-se em índias, pescadores, baianas, marinheiros, ciganas e matutos, num universo criativo de personagens e situações.

"Os dramas não têm uma estrutura fixa. É uma espécie de pastoril profano, esquetes cantadas em que as mulheres se caracterizam e fazem até mesmo os personagens masculinos. As dramistas misturam música, poesia, comédia, dança e brincadeira, geralmente com acompanhamento musical do violão, da zabumba, do triângulo e do pandeiro", explica.

Segundo o coordenador do encontro, no início de século XX, estas encenações se convertiam numa das poucas formas das moças marcarem sua presença na sociedade de então, cujo espaço público era eminentemente ocupado por homens. Mas aí as moças iam arranjando noivos e maridos, mudavam de cidade e com o tempo se perdiam nas obrigações domésticas e na criação dos filhos.

Outras gerações de mulheres aprenderam as danças e as cantigas dos dramas populares nas escolas, repassadas pelas professoras. É o caso, por exemplo, de dona Terezinha Lima dos Santos, mais conhecida como Tereza Lino. Já adulta, a dramista de Beberibe passou a integrar em 1992 o grupo de suas primas, Umbelina e Maria Alice Vieira, que vivem na localidade de Encruzilhada, em Fortim. Hoje, é uma das dramistas que representa a manifestação como Tesouro Vivo do Ceará (antigo mestre da Cultura).

MAIS INFORMAÇÕES

I Encontro de Dramas Populares do Litoral Leste
Praia de Parajuru - Beberibe
http://www.casadasdramistas.org.br

PROJETO
Inventário busca preservar tradição

O trabalho para a preservação dos dramas populares vem ganhando cada vez mais apoio. Em 2009, o projeto "Inventário de Dramas Populares do Litoral Leste", enviado pela Casa das Dramistas de Beberibe, foi selecionado pelo Edital de Fomento do Patrimônio Imaterial, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

"Ficamos muito felizes por termos sido selecionados, entre outros tantos bons projetos. Isso mostra a singularidade da tradição das dramistas populares do Ceará. Como estamos sediados em Beberibe, decidimos circunscrever a pesquisa às brincantes que vivem no Litoral Leste, onde a tradição dos dramas é mais forte. Mas esperamos um dia registrar a arte dos dramas populares nas demais localidades do Ceará", explica Evandro Vieira, que também é coordenador da Casa das Dramistas.

O projeto da Casa das Dramistas de Beberibe concorreu com outras 97 propostas em todo País e foi aprovado como o melhor projeto do Ceará (superando projetos da Capital), segundo melhor do Nordeste e nono do Brasil. Com o recurso de R$ 105 mil obtido com o edital, uma equipe de pesquisadores está fazendo uma pesquisa etnográfica junto às dramistas que vivem no Litoral Leste cearense.

Produção

O material audiovisual e as entrevistas que estão sendo feitas desde janeiro deste ano servirão de base para a produção de um catálogo, um vídeo documentário, além de postais e uma exposição itinerante de fotografias da atuação das dramistas no Litoral Leste.

"O material deve ser lançado aos poucos, a partir de janeiro do ano que vem, mas estamos em busca de apoio de instituições para o lançamento e a distribuição dessa produção. Esperamos que assim que o material esteja pronto e seja enviado ao Iphan, o órgão possa classificar o drama popular como patrimônio imaterial do Brasil", coloca o coordenador.

Fomentador

Ponto de Cultura do Ceará desde 2008, a Casa das Dramistas trabalha no apoio de grupos de dramistas e no intercâmbio de informações com os grupos de outras regiões. Para garantir a transmissão do folguedo naquela região, a Casa das Dramistas promove oficinas de teatro, artesanato, técnica vocal, corte e costura, criação e confecção de figurino, adereços, maquiagem, dança popular, pintura em tecido e boneca de pano.

A participação de crianças e jovens é bem-vinda e estimulada, como forma de manter viva a arte dessa performance popular. Para o coordenador Evandro Vieira, uma cultura permanece viva quando faz parte do cotidiano das pessoas.

"Muitas manifestações culturais se perdem por causa da falta de interesse, do tempo e pelo surgimento de coisas novas, mas é preciso valorizar o que nós temos. Esperamos que o drama popular seja um fator de atração do turismo e do desenvolvimento de nossa região", finaliza.

Fique por dentro
O que é o drama?

Apesar de não terem um formato fixo, os dramas populares podem ser definidos como pequenos quadros ou cenas encenados apenas por mulheres, numa tradição que remonta há cerca de 100 anos. Em sentido estritamente literário, drama é um texto destinado à representação. No caso do drama popular desenvolvido no Ceará, não há uma estrutura definida. Dependendo da região (praia, serra ou sertão), possui características próprias. A encenação das dramistas pode envolver paródias, histórias de amor e poemas cantados. Pode ser definido como um pastoril profano ou uma apropriação popular de burleta, comédia satírica de costumes acompanhada de números musicais.

Karoline Viana
Repórter