D. Expedito Lopes: memória do martírio
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Redação
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Pesquisa aborda construção de memórias em torno do bispo sobralense. Assassinado por um padre subordinado, atualmente dom Expedito é objeto de um movimento da Diocese de Garanhuns (PE) por sua santificação. Mas apesar do apoio institucional, a causa encontra pouca repercussão entre os devotos
Fortaleza Dom Expedito Lopes. Este personagem, que morreu há 52 anos dá nome a ruas, tem busto em praças e até nomeia um município do interior do Piauí. Em Sobral, município localizado a 230 quilômetros de Fortaleza, o historiador Igor Alves Moreira mora na Rua Dom Expedito Lopes, no bairro que também se chama Dom Expedito. Mas para ele, assim como para muitas pessoas da cidade, afora como endereço ou busto na praça do bairro este foi por muito tempo o nome de um ilustre desconhecido.
A curiosidade foi o que o levou a fazer perguntas às pessoas mais velhas do bairro. "Muitos lembravam apenas que dom Expedito era um bispo que tinha nascido em Sobral e que havia sido assassinado longe daqui", conta o historiador.
Foi a partir desse interesse e de muita pesquisa que começou a se deslindar para o pesquisador uma história permeada por conflitos religiosos, assassinato, santidade e lutas pelo estabelecimento de memórias, no único caso da história da Igreja Católica em que um bispo foi assassinado por um padre de sua Diocese.
A pesquisa, iniciada na graduação em História na Universidade Vale do Acaraú (UVA) e continuada no mestrado, deu origem à dissertação "Do Bispo Morto ao Padre Matador: Dom Expedito e Padre Hosana nas construções da memória (1957-2004)", defendida no Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Ceará (UFC) em 2008.
O trabalho busca traçar as construções de memória em torno do assassinato e das tentativas de torná-lo santo.
Trajetória
Dom Expedito nasceu em Sobral em 1914 e ordenado em Roma, em 1938. Atuou durante dez anos como professor e capelão na cidade-natal até ser sagrado bispo. Foi indicado inicialmente para a recém-criada Diocese de Oeiras, no Estado do Piauí. Em 1955, dom Expedito assume a Diocese de Garanhuns, em Pernambuco, com a missão de sanar problemas em relação a quatro padres locais.
"Já havia sido prenunciado ao bispo que havia padres de Garanhuns envolvidos em política e com mulheres. Ele consegue enquadrar três desses padres, exceto o padre Hosana, que alegava em sua defesa ser vítima da maledicência do povo e jamais admitiu culpa", relata o historiador.
Padre Hosana de Siqueira e Silva era pároco de Quipapá, município subordinado à Diocese de Garanhuns. Ele era acusado de cobrar preços exorbitantes para ministrar sacramentos, não cuidar devidamente da paróquia e não fornecer atendimento às escolas, como era costume na época. Mas a acusação mais grave dava conta de um suposto envolvimento amoroso do padre com Maria José Martins, prima do padre Hosana e que trabalhava como empregada doméstica na casa paroquial.
"Muitas pessoas contam que havia boatos de que ele havia obrigado a prima a abortar duas vezes e de que ela só podia se confessar com ele. Quando o novo bispo chegou em Garanhuns, já havia outra pessoa na casa paroquial, Quitéria Marques, que diziam também ser amante do padre. Dom Expedito então pede para o padre Hosana despedir Quitéria, mas ele desobedece alegando que tudo não passava de fofoca das beatas e que havia um complô contra ele arquitetado pelo padre Acácio Rodrigues Alves, hoje bispo emérito de Palmares".
Diante das desobediências do padre, dom Expedito pede orientações à Santa Sé sobre como proceder. Em resposta, o bispo recebe autorização para que padre Hosana seja suspenso de ordens. Ao saber que a decisão seria lida no programa de rádio da Diocese, padre Hosana tenta convencer padre Acácio, que organizava o programa, a deixá-lo se defender, mas o religioso não permitiu.
Assassinato
Diante da recusa, padre Hosana pega um táxi e, em princípio, pede para ir ao Mosteiro de São Bento. "O taxista que levava o padre Hosana contou que ele estava alterado e, no meio do caminho, decidiu mudar a rota para o palácio episcopal".
Ao ouvir batidas na porta, o empregado começa a ir para a entrada, mas dom Expedito o dispensa e resolve atender. Padre Hosana dispara três tiros contra o bispo, dois no peito e um no braço. O fato ocorreu por volta das 18h, que era o horário do programa de rádio e também a Hora do Angelus, que relembra a anunciação do nascimento de Cristo pelo anjo Gabriel.
Após oito horas de agonia, ele morre na madrugada de 2 de julho de 1957. Os religiosos que acompanharam os últimos momentos do bispo registraram suas palavras finais, em que ele perdoa o assassino e diz: "ofereço meu sangue pela Diocese, pelos seminaristas e pelo povo de Garanhuns".
Fim misterioso
O caso teve repercussão nacional. Além da imprensa local, houve cobertura da revista O Cruzeiro e até da TV Tupi. Depois de atirar contra o superior, padre Hosana foge para o mosteiro e confessa o assassinato ao prior, dom Bento. O prior entrega-o no dia seguinte para o prefeito de Garanhuns, que o envia disfarçado para a Casa de Detenção de Recife, diante da ameaça de linchamento.
Hosana passa por três julgamentos. Nos dois primeiros, foi inocentado tendo como tese favorável a legítima defesa da honra. Já no terceiro, foi condenado a 19 anos de prisão, dos quais cumpre 11 por bom comportamento. Em 1968, padre Hosana vai morar no sítio da família próximo ao município de Correntes, onde nasceu. Dedica-se à agricultura e continua a rezar missas e ministrar sacramentos, apesar de ter sido excomungado durante a prisão.
Em 1997, o padre é encontrado morto a pauladas. Havia rumores de que ele podia ter sido morto por emprestar dinheiro a juros ou por briga de terras. Um casal chegou a ser apontado como suspeito do crime, mas sequer chegaram a julgamento por falta de provas. O caso atualmente está arquivado.
Fique por dentro
Quem foi o bispo?
Expedito Lopes nasceu em julho de 1914, numa família de origem humilde. O pai, Edésio Lopes, era pedreiro e prestava serviços para a Diocese de Sobral. Ao perceber a vocação religiosa do menino, dom José Tupinambá da Frota, primeiro bispo de Sobral, resolve bancar sua formação. Após estudar no Seminário São José, em Sobral, e no Seminário da Prainha, em Fortaleza, seguiu para Roma, onde fez doutorado em Direito Canônico e foi ordenado em 1938. No mesmo ano, volta a Sobral, onde atua por dez anos como capelão do Colégio Sant´Ana, além de ensinar no Colégio Sobralense e no Seminário São José. Em dezembro de 1948, é sagrado bispo pelo próprio dom José e assume a recém-criada Diocese de Oeiras, no Piauí. Em 1955, torna-se bispo da Diocese de Garanhuns e, dois anos depois, é assassinado pelo padre Hosana de Siqueira e Silva. Desde 2003, um movimento liderado pela Diocese de Garanhuns e pelas irmãs do Instituto das Missionárias de N. Sra. de Fátima do Brasil, fundado por dom Expedito, buscam tornar o bispo santo pela via do martírio, por morrer em defesa da Igreja Católica. Missas e outros eventos são realizados para angariar fundos para o processo de santificação. O caso encontra-se no Vaticano, analisado pelo Tribunal do Santo Ofício desde 2006.
Karoline Viana
Repórter
Fortaleza Dom Expedito Lopes. Este personagem, que morreu há 52 anos dá nome a ruas, tem busto em praças e até nomeia um município do interior do Piauí. Em Sobral, município localizado a 230 quilômetros de Fortaleza, o historiador Igor Alves Moreira mora na Rua Dom Expedito Lopes, no bairro que também se chama Dom Expedito. Mas para ele, assim como para muitas pessoas da cidade, afora como endereço ou busto na praça do bairro este foi por muito tempo o nome de um ilustre desconhecido.
A curiosidade foi o que o levou a fazer perguntas às pessoas mais velhas do bairro. "Muitos lembravam apenas que dom Expedito era um bispo que tinha nascido em Sobral e que havia sido assassinado longe daqui", conta o historiador.
Foi a partir desse interesse e de muita pesquisa que começou a se deslindar para o pesquisador uma história permeada por conflitos religiosos, assassinato, santidade e lutas pelo estabelecimento de memórias, no único caso da história da Igreja Católica em que um bispo foi assassinado por um padre de sua Diocese.
A pesquisa, iniciada na graduação em História na Universidade Vale do Acaraú (UVA) e continuada no mestrado, deu origem à dissertação "Do Bispo Morto ao Padre Matador: Dom Expedito e Padre Hosana nas construções da memória (1957-2004)", defendida no Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Ceará (UFC) em 2008.
O trabalho busca traçar as construções de memória em torno do assassinato e das tentativas de torná-lo santo.
Trajetória
Dom Expedito nasceu em Sobral em 1914 e ordenado em Roma, em 1938. Atuou durante dez anos como professor e capelão na cidade-natal até ser sagrado bispo. Foi indicado inicialmente para a recém-criada Diocese de Oeiras, no Estado do Piauí. Em 1955, dom Expedito assume a Diocese de Garanhuns, em Pernambuco, com a missão de sanar problemas em relação a quatro padres locais.
"Já havia sido prenunciado ao bispo que havia padres de Garanhuns envolvidos em política e com mulheres. Ele consegue enquadrar três desses padres, exceto o padre Hosana, que alegava em sua defesa ser vítima da maledicência do povo e jamais admitiu culpa", relata o historiador.
Padre Hosana de Siqueira e Silva era pároco de Quipapá, município subordinado à Diocese de Garanhuns. Ele era acusado de cobrar preços exorbitantes para ministrar sacramentos, não cuidar devidamente da paróquia e não fornecer atendimento às escolas, como era costume na época. Mas a acusação mais grave dava conta de um suposto envolvimento amoroso do padre com Maria José Martins, prima do padre Hosana e que trabalhava como empregada doméstica na casa paroquial.
"Muitas pessoas contam que havia boatos de que ele havia obrigado a prima a abortar duas vezes e de que ela só podia se confessar com ele. Quando o novo bispo chegou em Garanhuns, já havia outra pessoa na casa paroquial, Quitéria Marques, que diziam também ser amante do padre. Dom Expedito então pede para o padre Hosana despedir Quitéria, mas ele desobedece alegando que tudo não passava de fofoca das beatas e que havia um complô contra ele arquitetado pelo padre Acácio Rodrigues Alves, hoje bispo emérito de Palmares".
Diante das desobediências do padre, dom Expedito pede orientações à Santa Sé sobre como proceder. Em resposta, o bispo recebe autorização para que padre Hosana seja suspenso de ordens. Ao saber que a decisão seria lida no programa de rádio da Diocese, padre Hosana tenta convencer padre Acácio, que organizava o programa, a deixá-lo se defender, mas o religioso não permitiu.
Assassinato
Diante da recusa, padre Hosana pega um táxi e, em princípio, pede para ir ao Mosteiro de São Bento. "O taxista que levava o padre Hosana contou que ele estava alterado e, no meio do caminho, decidiu mudar a rota para o palácio episcopal".
Ao ouvir batidas na porta, o empregado começa a ir para a entrada, mas dom Expedito o dispensa e resolve atender. Padre Hosana dispara três tiros contra o bispo, dois no peito e um no braço. O fato ocorreu por volta das 18h, que era o horário do programa de rádio e também a Hora do Angelus, que relembra a anunciação do nascimento de Cristo pelo anjo Gabriel.
Após oito horas de agonia, ele morre na madrugada de 2 de julho de 1957. Os religiosos que acompanharam os últimos momentos do bispo registraram suas palavras finais, em que ele perdoa o assassino e diz: "ofereço meu sangue pela Diocese, pelos seminaristas e pelo povo de Garanhuns".
Fim misterioso
O caso teve repercussão nacional. Além da imprensa local, houve cobertura da revista O Cruzeiro e até da TV Tupi. Depois de atirar contra o superior, padre Hosana foge para o mosteiro e confessa o assassinato ao prior, dom Bento. O prior entrega-o no dia seguinte para o prefeito de Garanhuns, que o envia disfarçado para a Casa de Detenção de Recife, diante da ameaça de linchamento.
Hosana passa por três julgamentos. Nos dois primeiros, foi inocentado tendo como tese favorável a legítima defesa da honra. Já no terceiro, foi condenado a 19 anos de prisão, dos quais cumpre 11 por bom comportamento. Em 1968, padre Hosana vai morar no sítio da família próximo ao município de Correntes, onde nasceu. Dedica-se à agricultura e continua a rezar missas e ministrar sacramentos, apesar de ter sido excomungado durante a prisão.
Em 1997, o padre é encontrado morto a pauladas. Havia rumores de que ele podia ter sido morto por emprestar dinheiro a juros ou por briga de terras. Um casal chegou a ser apontado como suspeito do crime, mas sequer chegaram a julgamento por falta de provas. O caso atualmente está arquivado.
Fique por dentro
Quem foi o bispo?
Expedito Lopes nasceu em julho de 1914, numa família de origem humilde. O pai, Edésio Lopes, era pedreiro e prestava serviços para a Diocese de Sobral. Ao perceber a vocação religiosa do menino, dom José Tupinambá da Frota, primeiro bispo de Sobral, resolve bancar sua formação. Após estudar no Seminário São José, em Sobral, e no Seminário da Prainha, em Fortaleza, seguiu para Roma, onde fez doutorado em Direito Canônico e foi ordenado em 1938. No mesmo ano, volta a Sobral, onde atua por dez anos como capelão do Colégio Sant´Ana, além de ensinar no Colégio Sobralense e no Seminário São José. Em dezembro de 1948, é sagrado bispo pelo próprio dom José e assume a recém-criada Diocese de Oeiras, no Piauí. Em 1955, torna-se bispo da Diocese de Garanhuns e, dois anos depois, é assassinado pelo padre Hosana de Siqueira e Silva. Desde 2003, um movimento liderado pela Diocese de Garanhuns e pelas irmãs do Instituto das Missionárias de N. Sra. de Fátima do Brasil, fundado por dom Expedito, buscam tornar o bispo santo pela via do martírio, por morrer em defesa da Igreja Católica. Missas e outros eventos são realizados para angariar fundos para o processo de santificação. O caso encontra-se no Vaticano, analisado pelo Tribunal do Santo Ofício desde 2006.
Karoline Viana
Repórter