Comunidades pesqueiras enfrentam problemas durante pandemia

Mais de 30 mil pescadores de água doce e salgada relatam dificuldades para escoar o pescado, devido ao fechamento de feiras e comércios. Apenas cerca de um terço deste total recebe o auxílio do seguro-defeso do Governo Federal

Escrito por Redação , regiao@svm.com.br
Legenda: Pescadores de água doce e salgada enfrentam dificuldade para escoar o pescado. Eles cobram assistência de políticas públicas
Foto: FOTO: HONORIO BARBOSA

Os bons volumes de chuva dos últimos dois anos favoreceram a retomada da atividade pesqueira no Ceará, fonte de renda de mais de 30 mil pescadores artesanais. No entanto, com a chegada da pandemia do novo coronavírus e impedimento da venda da produção em feiras livres, principal linha de escoamento da produção, os pescadores se viram num dilema: há o pescado, mas não tem como vendê-lo. Além disso, muitos estão impedidos de pescar devido a prorrogação do período defeso da lagosta. Por decorrência disso, a Defensoria Pública do Estado, estima que existam mais de 300 comunidades pesqueiras em todo o Estado, prejudicadas financeiramente.

No Açude Orós, segundo maior do Estado, a recarga adquirida nos quatro primeiros meses de 2020 elevou o volume de 5%, no início do ano, para quase 27%. Porém, embora com mais peixes no reservatório, a retomada da pesca enfrenta dificuldade.

"Não há para quem vender, feiras e mercados estão fechados", pontuou a presidente da Colônia de Pescadores (Z41), de Iguatu, Neide França.

O coordenador do grupo de pescadores da localidade de Barrocas, na bacia do Açude Orós, Evanilson Saraiva, estima que "a partir de junho, se não vier socorro, a crise vai bater à porta novamente dos pescadores semelhante como ocorreu nos anos de seca".

O presidente da Federação de Colônia de Pescadores do Ceará, Raimundo Félix, reconhece a situação crítica. "O peixe é um produto perecível, que se estraga rápido. Somos mais de 30 mil pescadores nas 12 bacias e no litoral marítimo. No meio desse povo tem gente com necessidades", lamenta.

Uma ajuda, neste momento de crise, seria os auxílios federais, mas, "apenas 10 mil pescadores artesanais cearenses recebem seguro-defeso e muitos estão com pagamento atrasado", pontuou Félix. Ele completa que "mais de 20 mil pescadores passam por necessidade, sem ser atendidos por políticas públicos".

Ainda segundo Félix, o cenário vivenciado no Açude Orós é replicado em outros reservatórios do Estado. "Estamos com muitos pescadores sem receber, sem poder pescar, sem poder sair de casa".

Neste cenário, o coordenador de Políticas Públicas do Sindicato dos Pescadores de Icapuí, Tobias Soares da Silva, encara um impasse.

"Se a gente pesca, não tem a quem vender. Se recebemos o auxílio emergencial, perdemos o direito ao seguro-defeso. Nunca tinha visto tanta dificuldade", afirma Silva.

O auxílio ao qual se refere é repassado pelo Governo Federal aos profissionais autônomos impactados economicamente. A primeira parcela do recurso, de R$ 600, foi paga em abril. Porém, mesmo entre os beneficiados, o impacto é sentido. "Em muitos relatos vemos que o dinheiro só deu para pagar as despesas. Não estamos vendo políticas públicas e, sim, o medo do vírus e da fome", ressalta Raimundo.

Apoio

Nesta semana, famílias do litoral de Aracati recorreram à Defensoria Pública do Ceará por meio da articulação do Conselho Pastoral dos Pescadores. Somente no Município, três comunidades tradicionais sofrem com a queda nas vendas: Vila da Volta (400 famílias); Quilombola do Cumbe (168 famílias); e a Comunidade de Sítio Canavieira, com 78 famílias. "Estamos muito preocupados porque a situação já está ruim e vem se agravando por falta de políticas públicas mais concretas de socorro a essas famílias", pontua Diana Maia, agente do Conselho Pastoral dos Pescadores.

Rogéria Rodrigues, coordenadora de campo do Instituto Terramar, também avalia a situação com preocupação. "Se pescar, não tem a quem vender", corrobora.

A marisqueira Maria Eliene Pereira, a Maninha, como prefere ser chamada, relata o desespero.

"Temos o peixe para o consumo, mas não temos farinha, arroz, óleo para dar comida a uma família de cinco, seis filhos", lamenta Maninha.

Diante da situação, esta semana o defensor público Diego Miguel Ferreira Cardoso, da 3ª Defensoria de Aracati, expediu ofícios e pedidos de providências à Prefeitura de Aracati para que a situação das famílias não seja agravada. "São comunidades que sobrevivem de pesca e recebemos demandas no contexto da pandemia sobre necessidade de distribuição de merenda, cestas básicas e assistência médica, porque os representantes alegam que os postos de saúde estão fechados", pontua. A reportagem tentou contato, por telefone, com a Prefeitura de Aracati, mas não houve atendimento.

Assistência

A Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA) do Ceará informou, em nota, que "para ampliar a inserção de pescadores artesanais e aquicultores familiares, o secretário De Assis Diniz se reunirá na próxima semana com todos os secretários municipais de agricultura, por videoconferência, para reforçar o apoio à atividade". Além disso, a Pasta ressalta que tem apoiado o comércio criativo por 'delivery' e feiras virtuais. "No âmbito do Programa de Aquisição de Alimentos, está prevista ainda a aquisição de filé e tilápia para distribuição, entre outros produtos, a quase 104 mil cearenses por entidades socioassistenciais".

Outra iniciativa destacada, é o Portal de Produtos da Agricultura Familiar, lançado em abril, para apoiar a comercialização de produtos da agricultura familiar, de pescadores artesanais e aquicultores familiares. "A ferramenta permite contato direto entre produtores e consumidores para que ocorra o escoamento da produção agrícola e pesqueira".

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