Ninguém melhor do que o cineasta italiano Giuseppe Tornatore, em seu filme “Cinema Paradiso”, conseguiu captar a dimensão lúdica e poética que um pequeno cinema pode imprimir à vida de uma cidade interiorana. Quem freqüentou o Cine Rangel, de Sobral, o Cine São João, de Uruburetama, ou o Cine Cassino, do Crato, entre dezenas de outros, entende muito bem a parcela de “paraíso” que isso representa em suas recordações da infância e da juventude. A partir da década de 1970, o maciço fechamento de dezenas de salas exibidoras interrompeu, durante muitos anos, a continuidade desse sonho, agora parcialmente reativado com a inauguração de cinemas geminados nas cidades de Juazeiro do Norte, Sobral e Maracanaú.
Os antigos cinemas das pequenas cidades não tinham nada a ver com os modernos, confortáveis e digitalizados cinemas de “shoppings”, que tendem atualmente a substituí-los. Eles pareciam muito com as inúmeras salas exibidoras de bairro existentes na provinciana Fortaleza de décadas atrás, com suas duras cadeiras de madeira, pequenos ventiladores e máquinas de projeção obsoletas, mesmo para a época. Alguns deles possuiam apenas um projetor, o que ocasionava freqüentes interrupções durante a exibição das películas, geralmente causando pequenos constrangimentos aos jovens casais de namorados flagrados em tórridos “amassos”.
Mas esses pequenos cinemas exerciam profunda influência na vida social e cultural dos locais onde se localizavam. Socorro Araújo, hoje a gerente das salas do Shopping Benfica, relembra com saudade: “Na cidade onde nasci, Brejo Santo, havia um cinema com cortinas vermelhas de veludo, gongo e sirene. Era o Cine Alvorada, uma das maiores paixões da minha vida. Comecei a trabalhar nele como lanterninha, ainda criança, assumindo mais tarde as funções de bilheteira e, finalmente, administradora. Lembro-me muito dos meninos arrastando as sandálias nos corredores da sala, enquanto a música “A Summer Place” invadia o cinema, sempre que a sessão ia começar”. Para Socorro, a memória cinematográfica de Brejo Santo foi soterrada, para sempre, junto com os escombros do prédio do Alvorada, que ruiu após uma matinê.
Maracanaú, onde o grupo São Luiz Cinemas vem instalar duas modernas salas de exibição, carece de uma maior tradição no campo do cinema. Quando o atual Município ainda era distrito de Maranguape, seus habitantes deslocavam-se até a sede para assistir aos grandes sucessos exibidos no Cine Maragoa, geralmente épicos hollywoodianos de caráter bíblico.
As novas salas maracanauenses pertencem ao empresário pernambucano Eli Jorge Lins de Lima. “Meu amor pelo cinema começou cedo”, afirma ele. “Com 10 anos de idade, já dava uma mãozinha no único cinema da paupérrima Bezerros, a cerca de 100 km do Recife. Eu ajudava o operador Manuel Celestino a espalhar quatro grandes cartazes para anunciar a exibição de velhos faroestes. No fim do dia, eles eram recolhidos. O acordo também incluía limpar a sala de exibição. Pelo trabalho, eu ganhava uma entrada para a matinê do fim de semana”.
Emigrando de caminhão para São Paulo, Eli chegou a ser vendedor de cocada e engraxate. Sua sorte começou a mudar em 1966, quando se empregou como faxineiro no Cine Cairo, localizado no Vale do Anhangabaú. Tal como Socorro Araújo, exerceu as funções de lanterninha e bilheteiro. Em seguida, tornou-se gerente do Cinemundi. Hoje, próspero empresário, lidera o Grupo São Luiz de Cinemas, com 28 salas de exibição em Minas Gerais e São Paulo, situando-se entre os 20 maiores exibidores nacionais.
Enfatizando seu desejo de privilegiar cidades interioranas, o grupo escolheu Maracanaú para sediar o primeiro complexo de cinemas Centerplex na região nordestina. As duas salas, em formato Stadium e contando com som e imagem de última geração, em muito diferem materialmente do antigo e despojado Cine Maragoa, de tantas poéticas recordações.
Henrique Justa, 55 anos, funcionário público federal aposentado e cinéfilo convicto, acompanha o desenvolvimento cinematográfico do Ceará desde seus precoces sete anos de idade. Foi assíduo freqüentador dos chamados cinemas de bairro fortalezenses, de Messejana ao Jardim América, de Parangaba ao Benfica. Trabalhou muitos anos em Maracanaú e ainda hoje é ligado a promoções incentivadoras do desenvolvimento artístico-cultural do município.
Justa afirma que “o advento da televisão foi o grande responsável pelo fechamento dos simpáticos cinemas das cidades do Interior. É inegável, também, que a queda do poder aquisitivo, aliado à exigência crescente do cumprimento das leis trabalhistas em relação aos funcionários das salas, também teve sua parcela de influência nesse processo”.
Enfatiza o cinéfilo: “Maracanaú se engrandece com a chegada dos cinemas. Agora é esperar, como talvez já aconteça em Sobral e Juazeiro do Norte, que o público prestigie com sua presença a importância do investimento. Mas, para isso, também deve haver compreensão dos proprietários das salas, cobrando preços de acordo com a realidade local e instituindo novas promoções com ingressos bem acessíveis. Apesar de sediar um Distrito Industrial, a maioria da população de Maracanaú é muito pobre. Deve-se levar em conta que a maioria dos funcionários das grandes indústrias residem em Fortaleza”.
Hoje, a Capital cearense conta com 28 cinemas, quase todos eles localizados em “shoppings”. No interior, existem seis salas em três cidades (duas em cada): Juazeiro do Norte, Sobral e, mais recentemente, Maracanaú.
No filme “Cinema Paradiso”, o mais belo preito de amor à Sétima Arte já levado à telona, o cineasta Salvatore di Vitto é dominado por lembranças de sua infância, principalmente sobre o cinema que dá nome ao filme, local onde ele aprendeu, ainda menino, não apenas as técnicas de projeção, mas uma extraordinária lição de vida. Com a volta das salas exibidoras às cidades do Interior, restaura-se um elo perdido, sem dúvida louvável sob inúmeros aspectos, mas ainda assim carente daquele toque de poesia que somente o contexto de uma época pôde conceder aos mitos cinematográficos do passado.
José Augusto Lopes
especial para o Regional