Ceará tem segunda maior incidência da Covid-19 entre indígenas do Nordeste

A taxa de reprodução da doença no Estado é 1.19, o que indica que novos casos seguem sendo gerados. O Ceará já se aproxima dos 400 casos confirmados.

Escrito por Rodrigo Rodrigues , rodrigo.rodrigues@svm.com.br
Aldeia Covid
Legenda: Aldeia indígena dos Pitaguary, na Grande Fortaleza. Segundo a Fepoince, municípios da Região Metropolitana de Fortaleza, além de Itarema e Acaraú, concentram o maior número de casos de Covid-19 na população indígena.
Foto: Madson Pitaguary

Os números do novo coronavírus entre os povos indígenas no Ceará estão longe de mostrar um horizonte de tranquilidade. Segundo a Secretaria Especial da Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, a taxa de incidência no Estado é de 1.427,7 por 100 mil habitantes, segunda maior da região Nordeste, atrás apenas da observada no Maranhão - 3.011,7. A média do País é 1.594 indígenas infectados para cada 100 mil habitantes. 

No Ceará, outro dado preocupa: a taxa de reprodução da doença, que indica quantas pessoas podem ser infectadas a partir de um único caso, é de 1.19, o que revela que novos indígenas seguem sendo contaminados. Para ter ideia, a taxa de reprodução observada no Estado, entre indígenas e não indígenas, é de 0,64, segundo a Secretaria da Saúde do Ceará.

Os dados relacionados às questões indígenas foram obtidos a partir do Informe Epidemiológico, emitido pela Sesai, nesta quarta-feira (22).

A situação preocupante revela uma tendência observada na região. Segundo a Sesai, a taxa de crescimento da doença nas seis áreas de saúde indígena do Nordeste é de 6.3 - maior índice do País. A média indica o aumento de casos por dia. Quanto mais próximo de zero, menor o avanço do novo coronavírus, já valores mais altos indicam uma velocidade maior na dispersão da doença. Se o número for zero, não existe o crescimento da doença

Incidência:

  • Maranhão: 3.011,7 (por 100 mil habitantes)
  • Ceará: 1.427,7 (por 100 mil habitantes)
  • Potiguara: 1.354,5 (por 100 mil habitantes)
  • Alagoas e Sergipe: 961,3 (por 100 mil habitantes)
  • Pernambuco: 337,3 (por 100 mil habitantes)
  • Bahia: 229,9 (por 100 mil habitantes)
  • País: 1.594,0 

População de indígenas atendidos (Sesai)

  • Pernambuco: 38.843
  • Maranhão: 37.819
  • Bahia: 33.054
  • Ceará: 26.966
  • Potiguara: 15.209
  • Alagoas e Sergipe: 12.483

Ceará

Segundo a Sesai, o Estado já se aproxima dos 400 casos (399) confirmados da doença entre indígenas - sendo 46 infectados atualmente. Além disso, foram pelo menos cinco óbitos por conta do novo coronavírus. Já conforme a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), são oito óbitos e mais de 430 infectados. Esta diferença se dá porque o levantamento da entidade considera o número de indígenas aldeados e não aldeados. 

Além disso, o Ceará registrava, até a noite desta quinta-feira (23), um total de 57 pessoas com quadro suspeito para a doença, conforme a Sesai. 

São considerados casos suspeitos: 

  • Quando o indígena apresenta algum sintoma respiratório, saiu da aldeia e retornou nos últimos 14 dias de um local com transmissão ativa da Covid-19; 
  • Quando o indígena apresenta sintomas respiratórios e não saiu da aldeia, mas teve contato com um caso suspeito ou confirmado da doença nos últimos 14 dias.

Taxa de crescimento por região:

  • Nordeste: 6.3
  • Norte: 5.5 
  • Sul/Sudeste: 4.2
  • Centro-Oeste: 3.8
  • Brasil: 6

Tempo para duplicação dos casos por região:

  • Centro-Oeste: 18
  • Sul/Sudeste: 17
  • Norte: 13 
  • Nordeste: 11
  • Brasil: 12

*Quanto menor o valor, mais rápido é o avanço da doença. 

Plano Emergencial

Por conta da situação preocupante, foi publicado, neste mês, o texto que cria um Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos territórios indígenas durante a pandemia. Na ocasião, porém, o presidente Jair Bolsonaro vetou 16 trechos que determinavam a obrigatoriedade do Estado em garantir, por exemplo, o “acesso universal à água potável” e a “distribuição gratuita de materiais de higiene para aldeias ou comunidades indígenas”

A lei passou a valer e considera os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e demais povos tradicionais como "grupos em situação de extrema vulnerabilidade".

Diante dos trechos retirados, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, no mesmo dia, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709 para que o governo federal adotasse uma série de medidas visando conter o avanço do vírus entre a população indígena. Entre as medidas previstas está a criação de um Grupo de Trabalho, formado pelo Governo, entidades de saúde e representantes ligados aos povos indígenas para garantir o atendimento adequado durante a pandemia. 

“O projeto foi descaracterizado pelo presidente da República. A ADPF foi criada com uma série de medidas para que o governo federal reveja os vetos”, ressalta Weibe Tapeba, assessor jurídico da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince), que participa do GT nacional.

Leia:

Segundo ele, pontos fundamentais, como a garantia de proteção territorial, de proteção aos indígenas em isolamento voluntários e questões mais assistenciais foram garantidas, além de determinar que os povos indígenas em áreas não homologadas também sejam atendidos pelas entidades de saúde.

“No Ceará, ainda há comunidades inteiras sem atendimento à saúde indígena. Isso acaba deixando as comunidades ainda mais vulneráveis. É um descumprimento a DPF do ministro do STF, Barroso, que determina o atendimento imediato”

O plano de combate à Covid-19 deve ser apresentado até 7 de agosto, conforme Weibe.

Assuntos Relacionados