Legislativo Judiciário Executivo

Igor Pinheiro: "Papel do Ministério Público é, mais do que nunca, de equidistância dos candidatos"

Em um cenário eleitoral cada vez mais polarizado, o promotor de Justiça Igor Pinheiro fala sobre as condutas que são vedadas, não apenas aos candidatos, mas a agentes públicos durante o período que antecede o pleito

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br
Igor Pinheiro
Legenda: O promotor de Justiça Igor Pinheiro cita a importância da "imparcialidade" do Ministério Público nas eleições de 2022
Foto: MPCE

No calendário eleitoral, a campanha para o pleito de outubro de 2022 inicia apenas no dia 16 de agosto. Contudo, os pré-candidatos começaram, desde o início do ano - ou mesmo antes -, as movimentações para angariar votos e conquistar cadeira seja no Legislativo ou no Executivo. 

Por conta disso, a atuação para inibir ou penalizar as condutas proibidas nessa busca por votos também começa bem antes do período oficial. Autor do livro "Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Ano Eleitoral", o promotor de Justiça Igor Pinheiro fala sobre as iniciativas que são proibidas, pela legislação eleitoral, durante o período de campanha - seja pelo próprio candidato seja por apoiadores que estejam ocupando cargos no Poder Público. 

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As condutas vão desde aquelas que geram apenas multa até as que podem gerar a cassação do registro ou do mandato do candidato. Um dos mais graves, o de corrupção eleitoral - que envolve oferecimento de dinheiro ou benefícios em troca do voto - pode gerar, inclusive, prisão, caso comprovada. 

Uma fiscalização que, em meio a uma disputa cada vez mais polarizada - tanto nacional como localmente - precisa ser feita com "equidistância dos candidatos", afirma o promotor. "Nós não vamos tolerar ilegalidade, não importa de quem seja. A credibilidade de uma instituição passa exatamente pela imparcialidade", ressalta Pinheiro. 

O Diário do Nordeste conversou com Igor Pinheiro sobre os planos de atuação do Ministério Público para o pleito de 2022. O promotor tem liderado palestras no MPCE para orientar outros promotores sobre os procedimentos em ano eleitoral.

Confira a entrevista completa:


O que pode caracterizar o crime de corrupção eleitoral?

O crime de corrupção é muito específico. Está descrito, no artigo 299, que a corrupção eleitoral - praticada pelo político, pelo cabo eleitoral, por qualquer pessoa - (é o crime) contra a liberdade do eleitor ao dar, oferecer, prometer qualquer benefício - dinheiro, emprego em prefeitura, qualquer benesse - em troca do voto ou em troca da abstenção do voto, que é uma coisa que as pessoas muitas vezes esquecem. 

A corrupção eleitoral é voltada para conseguir o voto mas também (para) 'ah, você não quer votar em mim, mas também não vote no fulano'. Tem o mesmo efeito. E o crime se consuma tanto sobre a perspectiva de quem vai comprar como de quem vende. Também é crime vender o voto. 

A que atos os promotores eleitorais têm de estar atentos durante essa campanha eleitoral que, mesmo que não sejam condutas vedadas, podem indicar cometimento de ilícito eleitoral? 

Cada grupo político tem uma estratégia. O grupo político que está no poder e, portanto, tem uma máquina administrativa - seja municipal, estadual ou federal -, via de regra, tem a estratégia de priorizar concessão de benefícios à população, principalmente em datas festivas, como o dia dos pais, dia das mães, dia das crianças, dia do município, da Padroeira... Porque possuem forte apelo popular e, principalmente, numa quadra de grave crise econômica, quando você traz benesses para a população, isso traz simpatia. 

Outra estratégia é a personificação da publicidade do órgão ou do Estado, do município ou da União. Nós temos até o caso em que tem uma ação popular, com liminar até hoje vigente, em que o presidente da República estava proibido de aparecer ou que parasse com a personificação da publicidade a favor dele nos perfis institucionais. Então, isso acontece também nos perfis (de gestões) estaduais e municipais, invariavelmente. Essa também é outra estratégia muito forte que traz um dividendo eleitoral muito interessante. 

E outro comportamento também muito recorrente é o uso dos bens públicos a favor das pré-candidaturas. Quem tiver interesse, pode olhar melhor nos artigos 73 e 77 da Lei 9504, que descreve uma por uma das condutas vedadas em ano eleitoral. 

Palestra MPCE - Igor Pinheiro, Emanuel Girão e Plácido Rios
Legenda: O Ministério Público realizou, no último dia 27 de maio, palestra sobre corrupção eleitoral voltada aos promotores eleitorais que irão atuar em 2022
Foto: MPCE

O senhor mencionou elementos comuns a pré-candidatos que estão no poder. E para quem não está, existem outros pontos que chamam a atenção?

Quem não está no poder, usa muito a estratégia de críticas ferrenhas, pesadas às falhas do governo de plantão como forma de angariar simpatia, como forma de legitimar uma mudança na gestão. 

Mas a principal estratégia de quem quer vencer o jogo no tapetão é também a corrupção. É comprar o voto, é oferecer empregos numa futura gestão, é trazer para perto de si empresários com a promessa de que, se for eleito, vai fazer dispensas de licitação para empresa de que o cara é sócio. Então, a forma que ele capitaliza por baixo dos panos, o famoso caixa dois, é a sugestão para poder comprar voto. 

 

Existe uma diferença na atuação dos promotores eleitorais na pré-campanha e na campanha?

Os crimes acabam sendo os mesmos. O que diferencia é como chega a notícia. A atuação de quem está no poder é mais fácil de ser fiscalizada, porque o site é público, então a gente está ali acompanhando. A vida privada do pré-candidato fica mais distante do promotor. Muito embora, assim, os pré-candidatos notórios sempre são objetos já de algum acompanhamento à distância. 

 

Durante essa pré-campanha tem ocorrido muitas motociatas e carreatas, inclusive, pelo presidente da República, e algumas caravanas de outros pré-candidatos também foram anunciadas. É possível enquadrar como conduta vedada seja feita por ele ou por outros pré candidatos?

As manifestações coletivas, em geral, não são proibidas. A Constituição assegura o direito de reunião das pessoas desde que haja finalidade pacífica.

Então, se você não está reunido massivamente para tentar defender um golpe militar, para defender prisões sumárias de pessoas ou autoridades sem o devido processo legal, que isso é crime, não há qualquer ilegalidade.

Os apoiadores da ala da direita, da esquerda ou do centro podem se reunir, podem fazer suas passeatas, motociatas, 'jumentociatas'... Desde que não haja conotação de  propaganda eleitoral. 

Este é o primeiro ponto. Pode se reunir, mas com a finalidade X. Se é feita uma reunião massiva para fazer propaganda de pré-candidato, isso não vai poder acontecer. Como também você não pode usar bens públicos nesses eventos. Bens públicos para poder levar as pessoas, para dar suporte, para fornecer alimentação. Aí, a particularidade do caso concreto é que vai demonstrar, porém estas são as duas principais limitações: manifestações coletivas que são voltadas para fazer propaganda e com o uso de bens públicos. 

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Quais as ações preventivas que o promotor pode tomar para inibir essas condutas, inclusive quanto aos gestores públicos?

É interessante os promotores sempre enviarem recomendações, que são os documentos formais do Ministério Público dizendo: "ó, existem essas restrições legais. Estou dando ciência ao senhor que não devem ser praticadas porque senão podem gerar punição". Então, o envio de recomendações ou, muitas vezes, a realização de seminários, palestras a servidores públicos para esclarecer, me parece que são medidas salutares. 

 

Para além dos gestores, existem ainda restrições quanto aos servidores públicos, que têm esse contato cotidiano com a população. O que não é permitido nesse processo eleitoral?  

Os servidores públicos, por lei, têm uma restrição de, no horário de expediente, não poderem fazer qualquer ato de propaganda política eleitoral, de participarem de eventos com conotação política eleitoral. Tirando isso, eles têm total liberdade, fora do seu horário de expediente. Podem ir a qualquer ato, desde que o façam expressamente, porque, quando há uma obrigação, uma ameaça para que os servidores participem de atos políticos, é crime eleitoral. Principalmente quando é voltado para conseguir o voto do servidor público. 

A proibição de fazer propaganda durante horário de expediente cai necessariamente na questão de botar uma foto do seu candidato na mesa de trabalho, de ir trabalhar com a blusa do candidato. Isso daí também, na minha visão, é proibido porque, quando ele está no horário de expediente dentro da repartição pública, ele não é o servidor X, ele é o estado que está representado. 

Então, ele está submetido aos princípios constitucionais. Servidor público em horário de expediente não pode fazer propaganda de ninguém, seja de que forma for. Com simples calendário, com blusa, com boné. Ele pode sair e, aí sim, fazer a propaganda dele. 

 

Nesse ano, teremos eleições gerais. Nesse tipo de disputa, quais as condutas vedadas mais cometidas?

O uso dos bens públicos, principalmente nas carreatas, a coação aos servidores para participarem das reuniões - principalmente de pré-campanha, para mostrar a visibilidade e ganhar uma capilaridade perante a sociedade -, a personificação da publicidade oficial, em que o gestor começa a aparecer como um grande benfeitor, o grande tocador de obras - muito embora às vezes elas sejam inauguradas, mas não estejam acabadas -, a exposição dos políticos que são apoiados pelo gestor de plantão, mas que não vai ser candidato, e, principalmente, as despesas com publicidade institucional. 

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A lei traz um limite - da média dos últimos três anos no primeiro semestre - do que deve ser gasto no ano da eleição, exatamente para evitar que, no ano da eleição saia gastando dinheiro a rodo para promover a imagem do gestor. Então, esses quatro pontos são, de fato, os que mais chamam a atenção. Um quinto seria a proibição de comparecer à inauguração de obras públicas nos três meses antes da eleição. 

 

Existiram mudanças na legislação que vão ter impacto agora nessa eleição que, por exemplo, não estavam ainda em vigência nas eleições anteriores?

A grosso modo, eu diria que as proibições continuam as mesmas. Nós temos uma mudança ou outra de jurisprudência (que são) ruins para o combate a corrupção, como, por exemplo, a última decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que diz que o eleitor não pode gravar o político oferecendo dinheiro em troca do voto, que essa prova seria inválida, seria inconstitucional. Há muito questionamento ainda sobre isso, a questão está pacificada, mas a última decisão é nesse sentido. Porém, no geral, as proibições são as mesmas.

Nós temos um novo crime de violência política nesse contexto de defesa das mulheres, que me parece algo muito interessante e importante. E temos também um aumento de pena (em casos) de disseminação de informações falsas no contexto eleitoral. Mas basicamente continua tudo como estava no tocante ao combate à corrupção eleitoral. 

 

E existem condutas e atitudes que, por vezes, a população ou mesmo adversários políticos acham que é vedado e acabam denunciando ao Ministério Público, mas que são condutas permitidas aos candidatos? 

Essa questão das denúncias é algo muito sensível porque, às vezes, a pessoa faz de boa fé e, às vezes, faz de má fé para gerar um um procedimento, uma investigação, o que vai gerar um desgaste na imagem (do candidato). É sempre lembrar a pessoa o seguinte: se você sabe que um comportamento X não existiu e você denuncia, isso é crime. Isso é um crime de denunciação caluniosa eleitoral. Se você viu o comportamento, tem dúvida se pode ou se não pode, não há nada de ilícito nisso, porque você é um cidadão comum, não faz valoração, não conhece a dimensão do fato todo e vai remeter para quem tem o dever de investigar. Aí, está no seu exercício comunicar às instâncias. 

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Algo que chama muito a atenção é, exatamente, sobre essas manifestações coletivas, (por acharem que) ‘ah, vai ter propaganda eleitoral’. Não se pode presumir antecipadamente que comportamentos ilícitos vão acontecer em uma manifestação, seja de que ala for. A não ser que já se antecipe, na própria divulgação do evento, que aquilo vai acontecer. Então, via de regra, (as denúncias) são muito em cima disso. De que ‘ah vai acontecer propaganda eleitoral antecipada na carreata do Fulano ou na motociata do ciclano’. Não é a atitude mais adequada.


E quais os canais que a população tem para denunciar casos de condutas vedadas ou de suspeita de crime de corrupção eleitoral? 

O Ministério Público tem promotor eleitoral em todas as zonas eleitorais. Então, o promotor eleitoral deve ser, naquela cidade, o canal pelo qual deve se comunicar (qualquer suspeita). ‘Ah, não quero aparecer’. A pessoa tem o direito de ir, falar e pedir o sigilo, isso é padrão, é feito já. ‘Ah, mas eu não quero nem ir lá, nem ser visto’. As promotorias, via de regra, têm e-mail institucional, você pode encaminhar as denúncias. ‘Ah, mas eu não quero mandar para um promotor específico’. Tem o e-mail da ouvidoria do Ministério Público. 

E tem também um aplicativo da Justiça Eleitoral chamado Pardal, em que você pode fazer denúncias e aí encaminhar para o TRE, e o TRE manda para a promotoria. Só que você perde, muitas vezes, a celeridade que é necessária, porque gera uma via burocratizada. 

Quais as penalidades que tanto gestores e demais pessoas que não estão concorrendo nas eleições, assim como os candidatos, podem ter por conta dessas condutas?

As condutas vedadas têm, por lei, a punição de multa de cinco a cem mil UFIRS, a cassação do registro ou do mandato, sem prejuízo de configurar outras situações, como crimes contra a administração pública, crimes eleitorais, crime de responsabilidade - que pode dar ensejo a impeachment - e também ato de improbidade administrativa. Cada hipótese vai ter um correspondente penal, de improbidade específica, que varia muito. 

O crime de corrupção eleitoral tem pena de reclusão de um a quatro anos para cada crime de corrupção praticado. E, no campo cível, quem compra votos responde a uma ação chamada captação ilícita de sufrágio que gera cassação do mandato como pena. E é importante dizer que a compra de somente um voto, no campo cível, pode gerar a cassação do mandato. 

 

Estamos indo para uma eleição bem polarizada, principalmente a nível nacional. Qual o principal desafio dos promotores eleitorais e como se projeta que será a atuação desses agentes? 

O papel do Ministério Público, mais do que nunca, é de equidistância dos candidatos e atuação firme. Porque, diante da polarização, exige-se uma posição muito firme de deixar um recado claro: nós não vamos tolerar ilegalidade.

Mas, nós não vamos tolerar ilegalidade, não importa de quem seja. A credibilidade de uma instituição passa exatamente pela imparcialidade. É aplicar o que é de César a César, seja quem seja. 

Fazendo isso nós ganhamos legitimidade popular, confiança popular e, bem ou mal, um respeito dos políticos. Porque aqui não é nada contra aquele… O velho discurso de que ‘ah, é perseguição’, ‘ele não gosta de mim’. Você diminui a audiência disso, porque ele sempre vai falar ‘ah, é perseguição’, mas os comportamentos (dos promotores) contra os outros candidatos importantes demonstra exatamente que não tem lado. Isso é importante.

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