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Ministra Cármen Lúcia encerra voto em julgamento de Bolsonaro no STF; veja argumentos

Julgamento já tem três votos favoráveis à condenação do ex-presidente

Escrito por
Luana Severo luana.severo@svm.com.br
(Atualizado às 18:09)
Ministra Cármen Lúcia
Legenda: A decisão pela condenação do ex-presidente pode ser tomada por maioria simples
Foto: Antonio Augusto/STF

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) segue, nesta quinta-feira (11), a julgar o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), e os outros sete réus do "núcleo crucial" da tentativa de golpe de Estado no Brasil orquestrada em 2022. A ministra Cármen Lúcia foi a primeira a votar na sessão e se posicionou favorável a condenar todos os réus pelos crimes imputados. Ela é seguida pelo ministro Cristiano Zanin, presidente do colegiado, que dará o último voto.

Com o voto da magistrada, o placar está em três votos favoráveis e um contrário à condenação de Bolsonaro e aliados. No entanto, em seu voto, o ministro Luiz Fux concordou em condenar por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito o ex-ajudante de ordens do ex-presidente, tenente-coronel Mauro Cid, e o ex-ministro da Casa Civil, general Walter Braga Netto.

Ministra Cármen Lúcia
Legenda: A decisão pela condenação do ex-presidente pode ser tomada por maioria simples
Foto: Antonio Augusto/STF

Em sua fala inicial, Cármen Lúcia destacou a importância do caso para a sociedade brasileira. "Nestes julgamentos, a conotação é mais grave porque há, de um lado, os direitos fundamentais de todas as pessoas, e, de outro, o direito da sociedade de ter uma resposta", declarou a magistrada. [Assista ao momento aqui]

O que há de inédito nesta ação penal é que nela pulsa o Brasil que me dói. A ação penal é quase um encontro do Brasil com seu passado, com seu presente e com seu futuro."
Cármen Lúcia
Ministra do STF

'Grão maligno da antidemocracia'

Citando o marco, neste ano, dos 40 anos do início da redemocratização do Brasil, Cármen Lúcia relembrou as eleições gerais e locais que houve desde a ditadura, os dois processos de impeachment presidencial — da ex-presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente Fernando Collor — e as manifestações de estudantes e caminhoneiros que mexeram com o País. "Se houve dor, também houve muita esperança. Apesar dos pesares, dos percalços, dos perrengues", pontuou. 

Ela destacou, contudo, o período entre 2021 e 2023 — ao que se refere o julgamento desta semana. "Desde 2021, para além da provação mundial da pandemia de Covid-19, novos focos de pesares sociopolíticos brotaram nestas terras", declarou a ministra, acrescentando que nestes anos foi plantado o "grão maligno da antidemocracia, tentando-se romper o ciclo democrático das quase quatro décadas [de democracia] que vinham sendo experimentadas pelo povo brasileiro".

"Em nenhum lugar no mundo, menos ainda aqui, não se tem imunidade absoluta contra o vírus do autoritarismo", continuou ela, ainda em referência à pandemia.

Ela também afirmou que os atos golpistas de 8 de janeiro não foram "um acontecimento banal, depois de um almoço de domingo, quando as pessoas saíram para passear".

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Ministra confirma crime de organização criminosa

Quando deu início à votação do mérito do caso, Cármen Lúcia ressaltou que a Procuradoria Geral da República (PGR) apresentou, na denúncia, "prova cabal" de que o grupo liderado pelo ex-presidente Bolsonaro "desenvolveu e implementou um plano progressivo e sistemático" contra o Estado Democrático de Direito.

Ela citou, também, o modus operandi das ações de descredibilização das urnas eletrônicas, que teriam se utilizado, inclusive, de milícias digitais. "Não são atos soltos. Até mesmo a forma de divulgar que a urna não era crível, que havia fraude nas urnas, o que nunca foi questionado antes. [...] No caso de uma organização criminosa que buscava o poder, que queria atingir e sequestrar a alma da República, impedindo a validade do processo eleitoral, é muito mais grave", destacou a magistrada.

Alexandre de Moraes e Carmen Lucia
Legenda: O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, fez intervenções durante o discurso da ministra Carmén Lúcia para reafirmar seu posicionamento sobre a ação penal
Foto: Gustavo Moreno/STF

Já sobre os argumentos da defesa de que alguns dos réus não sabiam sobre tudo o que estava sendo feito, a ministra disse: "Em nenhuma organização [criminosa] todo mundo sabe de tudo. Aliás, se souber, talvez nem dê certo", disparou.

Cármen Lúcia também condena Bolsonaro e aliados por tentativa de golpe de Estado

No que diz respeito aos crimes de golpe de Estado e de tentar abolir com violência o Estado Democrático de Direito, Cármen Lúcia também votou favoravelmente à condenação do grupo, considerando, por exemplo, os atos do 8 de janeiro de 2023, a convocação dos Kids Pretos e o plano Punhal Verde e Amarelo.

"Tudo isso junto é de enorme violência. Violência praticada, institucional, política", citou a ministra.

Relembre quem são os réus do ‘núcleo crucial’ da trama golpista 

  1. Jair Bolsonaro: ex-presidente da República;
  2. Alexandre Ramagem: ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
  3. Almir Garnier: ex-comandante da Marinha;
  4. Anderson Torres: ex-ministro da Justiça e ex-secretário de segurança do Distrito Federal;
  5. Augusto Heleno: ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI);
  6. Paulo Sérgio Nogueira: ex-ministro da Defesa;
  7. Walter Braga Netto: ex-ministro de Bolsonaro e candidato a vice na chapa de 2022;
  8. Mauro Cid: ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

Veja o que disse Cármen Lúcia sobre cada réu

Sobre Mauro Cid:

"Está comprovada a participação. Aliás, é admitida. [...] Recebia os documentos, repassava, garantia que se mantivesse o ânimo de todos os integrantes, estava em sintonia permanente com o discurso e estratégias adotadas dos outros integrantes da organização criminosa."

Sobre Jair Bolsonaro:

"Tenho por comprovado que Jair Bolsonaro praticou os crimes que são imputados a ele na condição de líder da organização criminosa. [...] O que mais se alega é que não há formalmente assinatura. Até onde a gente tem de algum conhecimento da história, realmente, passar um recibo no cartório do que está sendo feito não é bem o que acontece nestes casos. [...] Há um acervo enorme de provas a indicar os planos de tomada do poder pela ruptura institucional ou pela permanência forçada, o que não ficou no mundo das ideias."

Sobre Almir Garnier:

"Há prova de participação. Os outros comandantes das outras armas certificam isso. [...] Diferente dos outros, ele atuou, ele que chamava as reuniões, ele que mostrou documentos."

Sobre Anderson Torres:

"Está intensamente demonstrado que a viagem [aos Estados Unidos, em janeiro de 2023] não o retira do cenário do 8 de janeiro sequer de todas as reuniões antes".

Sobre Augusto Heleno:

"Participou desde sempre, integrando a organização criminosa no sentido que o procurador geral da República denuncia".

Sobre Paulo Sérgio Nogueira:

"Tem a participação na parte da Justiça Eleitoral."

Sobre Braga Netto:

"Participação muito efetiva, muito direta, em todos os atos da organização criminosa." 

O que está em julgamento?

O STF julga a ação penal 2668, que trata da denúncia oferecida pela PGR. São acusados 31 réus, divididos em quatro núcleos:

  • Núcleo 1: envolve oito réus, incluindo Bolsonaro, e é considerado o núcleo "central" ou "crucial" da articulação golpista.
  • Núcleo 2: conta com seis réus que são acusados de disseminar informações falsas e ataques a instituições democráticas.
  • Núcleo 3: é formado por dez réus associados a ataques ao sistema eleitoral e à preparação da ruptura institucional.
  • Núcleo 4: sete réus serão julgados por propagação de desinformação e incitação de ataques às instituições.
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