Vídeo de reunião ministerial expõe Governo Bolsonaro ao desgaste

Divulgação de encontro do presidente com o primeiro escalão, apontado por Sérgio Moro como prova da interferência na PF, mostra Bolsonaro e alguns ministros xingando governadores, prefeitos, ministros do STF e parlamentares

Escrito por Redação ,
Legenda: Reunião aconteceu no último dia 22 de abril
Foto: Marcos Corrêa/PR

A divulgação do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, na qual o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro diz que foi pressionado por Jair Bolsonaro a trocar o comando da Polícia Federal, provocou, ontem (22), críticas à postura do presidente, ampliou o desgaste na relação do Palácio do Planalto com a instância máxima do Judiciário e deu munição para partidos opositores defenderem a abertura de um processo de impeachment.

O vídeo da reunião no Palácio do Planalto, divulgado por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, é considerado uma peça-chave nas investigações que apuram as acusações, feitas por Moro. Entre ameaças, ofensas e palavrões, as imagens mostram o chefe do Executivo cobrando mudanças no Governo e fazendo pressão sobre Moro e os demais auxiliares.

Veja trechos da reunião:

Na reunião, ocorrida no mês passado, Bolsonaro afirmou que já havia tentado trocar "gente da segurança nossa no Rio de Janeiro", e que não teria conseguido. "E isso acabou. Eu não vou esperar f**** a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira", disse o presidente da República.

Bolsonaro alega que se referia à sua segurança pessoal, que é feita pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e não pela PF. De acordo com a transcrição feita pela PF, o ministro do GSI, Augusto Heleno, não fez nenhuma intervenção nesse momento. Reportagem do Jornal Nacional, veiculada na semana passada, mostrou que o presidente fez alterações - e até promoveu servidores - em sua segurança pessoal semanas antes da reunião sem dificuldade.

Moro, por sua vez, afirma que a reunião seria uma prova da tentativa de Bolsonaro de interferir no órgão. O ex-ministro também entregou aos investigadores troca de mensagens no celular.

'Vagabundos'

Ao levantar o sigilo do vídeo, Celso de Mello não fez juízo de valor sobre esse trecho da reunião. O decano do STF, por outro lado, apontou "aparente prática criminosa" na fala do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que disse que "botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF".

Segundo a transcrição, Moro falou pouco no encontro, não questionou as declarações do presidente e limitou-se a pedir que o plano de recuperação social e econômica Pró-Brasil também abordasse questões de segurança pública e de controle de corrupção.

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Durante a reunião com o primeiro escalão do governo, Bolsonaro reclamou que não pode ser "surpreendido com notícias". "Pô, eu tenho a PF que não me dá informações", reclamou ele na ocasião.

No encontro, o presidente afirmou que não esperaria o "barco começar a afundar pra tirar água" e que, portanto, iria interferir em todos os ministérios. "A pessoa tem de entender. Se não quer entender, paciência, pô! E eu tenho o poder e vou interferir em todos os ministérios, sem exceção", disse Bolsonaro. "E não dá pra trabalhar assim. Fica difícil. Por isso, vou interferir! E ponto final, pô! Não é ameaça, não é uma extrapolação da minha parte. É uma verdade", completou Bolsonaro, olhando para o lado de Moro.

Próximos passos

Com a divulgação do vídeo, a investigação vai se concentrar agora em novos depoimentos. O empresário Paulo Marinho prestará depoimento na terça, no Rio. O empresário acusa o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) de ter recebido informações vazadas da Operação Furna da Onça. Ele já depôs à PF e ao Ministério Público Federal, mas no âmbito de outra investigação.

Bolsonaro deverá ser o último a prestar depoimento no processo e, por ser presidente, pode enviar as respostas por escrito. Caberá ao procurador-geral da República, Augusto Aras, decidir se vai apresentar ou não uma denúncia contra o chefe do Executivo. O STF precisa de aval da Câmara para analisar uma eventual denúncia contra o presidente.

Celular

O pedido de Celso de Mello de apreensão do celular de Bolsonaro gerou uma reação forte por parte do Governo. Uma decisão que, se aceita pela PGR, teria "consequências imprevisíveis" e comprometeria a "estabilidade nacional", segundo o chefe do Gabinete de Segurança Nacional (GSI), general Augusto Heleno.

Bolsonaro afirma que a gravação não o incrimina. Apesar de admitir que na reunião tenha se referido a amigos e familiares, diz que falava sobre a segurança deles e não os protegendo de investigações.

Prisão de governadores

Em um trecho do vídeo, Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos defende a prisão de governadores e prefeitos.

"A pandemia vai passar, mas governadores e prefeitos responderão processos e nós vamos pedir inclusive a prisão de governadores e prefeitos. E nós estamos subindo o tom e discursos tão chegando. Nosso ministério vai começar a pegar pesado com governadores e prefeitos. Nunca vimos o que está acontecendo hoje. Se eles falavam que nós éramos violadores de direitos, eles estão, inclusive, o governador Wellington (Dias, do Piauí), agora, ontem, determinou que a polícia poderá entrar nas casas. Vocês não ... Imagina o que ele vai fazer!".

Impeachment

Em reação, as bancadas dos partidos de oposição na Câmara publicaram nota de repúdio às declarações de Bolsonaro e dos ministros. O conteúdo do vídeo "acelera a crise institucional" no País, afirmam os parlamentares, que reforçam a abertura do processo de impeachment.

A reunião "revela nitidamente como Bolsonaro e seus ministros desprezam as instituições e o povo brasileiro", concordam os líderes do PT, do PCdoB, do PSol, do PSB, do PDT e da Rede na Câmara. "O processo de impeachment de Bolsonaro deve ser aberto o mais rápido possível, para a retirada de um presidente incapaz, irresponsável e danoso ao País", diz a nota.

'Golpe militar'

O ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, negou a possibilidade de o Governo dar um golpe militar, ao ser questionado sobre a possibilidade, em audiência virtual com deputados e senadores. "Não tem nada de golpe de Estado", garantiu Braga Netto.

'Governo democrático'

"O Governo é democrático, é um governo de centro-direita. Isso é teoria conspiratória que não existe", respondeu o ministro da Casa Civil à pergunta formulada pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA).

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