Uso de recursos eleitorais contra a Covid-19 divide parlamentares

O debate sobre a destinação do fundo eleitoral, um dos principais suportes das campanhas políticas, voltou a ser pautado no Congresso Nacional, mas ainda é alvo de dúvidas diante da possibilidade de adiamento das eleições

Escrito por Alessandra Castro , alessandra.castro@svm.com.br
Legenda: Congresso iluminado em homenagem aos profissionais da saúde
Foto: Foto: Agência Senado

O debate sobre a destinação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), também conhecido como fundo eleitoral, para ações de enfrentamento ao novo coronavírus foi retomado na última semana no Congresso Nacional.

No Senado, alguns parlamentares, na maioria aliados ao Governo Bolsonaro, cobraram que propostas relacionadas ao tema fossem pautadas pelo presidente da Casa, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). Congressistas cearenses da base e da oposição ao Governo Federal se dizem favoráveis à liberação dos recursos para a Saúde se houver necessidade, mas a possibilidade é minimizada pelos líderes da Câmara dos Deputados e do Senado. 

Na segunda-feira (13), emendas à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Orçamento de guerra que autorizavam a transferência dos R$ 2 bilhões do fundo eleitoral para o combate à pandemia foram rejeitadas no Senado por serem consideradas estranhas ao texto. Alcolumbre disse que deverá retomar a discussão nos próximos dias, mas questionou a liberação dos recursos por serem essenciais para garantir um pleito democrático.

De acordo com ele, o Governo Federal e o Parlamento têm se esforçado para garantir recursos para ações de combate ao coronavírus e os valores já superam R$ 500 bilhões - cerca de 7,5% do Produto Interno Bruto (PIB). 

"Não podemos voltar a essa discussão neste momento, quando 250 vezes mais do que o orçamento destinado à democracia já foram aplicados por medidas do Governo, do Congresso"

O presidente do Senado justificou a decisão de voltar ao tema depois, afirmando que “não podemos voltar a essa discussão neste momento, quando 250 vezes mais do que o orçamento destinado à democracia já foram aplicados por medidas do Governo, do Congresso”. E questionou: “Então é só uma conta: 250 vezes (mais recursos) já foram liberados. Será que esses R$ 2 bilhões do financiamento da democracia são eles que são fundamentais para o combate à pandemia, enquanto todos nós temos nos dedicado à defesa dos brasileiros?”.Ele lembrou que votou contra o financiamento público de campanha, mas foi derrotado. 

Sobre esse ponto, o senador cearense Eduardo Girão (Podemos) rebate Alcolumbre também com questionamentos: “como, num momento como esse, em que a gente precisa tratar os pacientes com sintomas de coronavírus e os efeitos da pandemia na área econômica, não se aceita R$ 3 bilhões (valor somado do fundo eleitoral e do fundo partidário)?”, indaga. 

Girão ainda destaca que uma das emendas rejeitadas à PEC do Orçamento de guerra era de sua autoria e defendeu que a preocupação em manter os recursos de financiamento de campanha não deveria ser uma prioridade. “Hoje em dia, tem celular para fazer campanha eleitoral. A prioridade é a vida, não santinho para eleição”, justifica. 

Propostas 

Atualmente, há projetos de lei sobre o tema no Senado e na Câmara, sendo os mais avançados de autoria de senadores: o PL 772/2020, do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e o PSL 1123/2020, do senador Lasier Martins (Podemos-RS). A proposta de Randolfe busca destinar tanto os recursos do fundo eleitoral como do fundo partidário para o enfrentamento à Covid-19, enquanto o de Lasier destina apenas os valores do FEFC. 

No entanto, tanto o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), como Davi Alcolumbre dizem que, se o presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido) quiser utilizar o dinheiro para a Saúde, tem prerrogativa para isso diante do estado de calamidade pública no País. Maia, inclusive, já chegou a declarar que a polêmica sobre o uso dos recursos tenta enfraquecer o Parlamento. 

Bancada cearense 

Sobre a utilização dos recursos do fundo eleitoral e do fundo partidário para ações de combate à Covid-19, o líder da bancada cearense, deputado Domingos Neto (PSD), considera que o tema deve ser discutido em outro momento, junto com a possibilidade de adiamento das eleições municipais deste ano. 

Ele pondera, assim como Maia e Alcolumbre, a importância do financiamento público para as campanhas políticas, por democratizar o processo eleitoral, já que todos têm limites de gastos. Domingos Neto salienta, porém, que o momento é atípico e exige esforço, inclusive, de candidatos e partidos. 

“O financiamento público é a melhor opção (para candidaturas), pois afasta o capital privado que patrocinou vários escândalos, mas precisamos perceber que não é um período normal e que será preciso esforço de todos”, destaca Domingos. 

O deputado Dr. Jaziel (PL), bolsonarista que compõe a base do Governo Camilo no Ceará, já é mais incisivo sobre a utilização dos recursos. “Sou totalmente a favor da transferência do fundo eleitoral e partidário. Sou co-autor, com a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), de um projeto que trata sobre isso. Se pegasse esse dinheiro e investisse na linha de frente (do combate à Covid-19), só de teste já seria muito. Ajudaria a diminuir o tempo de espera. Hoje, uma pessoa leva cerca de 15 dias para saber se está doente. Nesse tempo, ou ela já tem se curado, ou contaminado mais gente, ou morrido”, afirma. 

Todavia, ele também admite que os recursos são necessários para as campanhas, apesar de serem impopulares. “Esse recurso tornou-se impopular, mas é o único recurso que temos, é o principal para a campanha de muita gente. A população não entende isso, por isso é impopular. Eu acho que as eleições deveriam ser adiadas. Em outro momento, a gente traçava um plano para ter esse dinheiro”, sustenta. 

O deputado Eduardo Bismarck (PDT) também diz que é a favor do uso dos recursos do fundo eleitoral e partidário na Saúde, caso seja necessário e se as eleições forem adiadas. Ele aponta, no entanto, outras alternativas de remanejamento de recursos que poderiam anteceder o uso do dinheiro destinado às campanhas. 

“Acho que existem outros caminhos a serem percorridos antes, como a utilização de outros fundos inativos, que podem somar mais de R$ 300 bilhões frente a R$ 2 bilhões do fundo eleitoral, por exemplo. Eu mesmo apresentei o PL 996-2020, que permite o uso do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), só aí seriam mais de R$ 20 bilhões. É dinheiro do povo que está parado em favor das telefônicas”, explica. 

Pré-candidatos 

O deputado Capitão Wagner (Pros) aponta um prazo mais curto e um único turno na eleição deste ano como uma forma de baratear os custos das eleições e favorecer candidatos. Ele ressalta, porém, que o adiamento pode ser necessário a depender da duração da crise sanitária.

"O adiamento da eleição pode ser necessário dependendo do prolongamento da crise"

“Todo e qualquer recurso que seja destinado ao combate à Covid-19 é bem-vindo e com o fundo partidário e eleitoral não é diferente. Logicamente que isso pode ter um impacto nas eleições, principalmente para quem não está na máquina, mas isso poderia ser resolvido com uma eleição com um prazo mais curto, só com um turno. Tem várias soluções para baratear a eleição. E eu acho que o adiamento da eleição pode ser necessário dependendo do prolongamento da crise”, pontua. 

Os deputados Heitor Freire (PSL) e Célio Studart (PV) também defendem o adiamento das eleições. Para eles, todos os recursos que podem ser remanejados devem ser direcionados para a Saúde. “Existem muitas torneiras abertas, gastos desnecessários que têm de acabar. Temos que priorizar vidas”, diz Freire. 

"Rito eleitoral é extremamente importante, mas deve ser adaptado para o fim do ano ou para um novo calendário"

Para Célio Studart, o “rito eleitoral é extremamente importante, mas deve ser adaptado para o fim do ano ou para um novo calendário”, permitindo, dessa forma, que os recursos previstos para financiar campanhas sejam destinados para ações para amenizar os impactos da doença. Tanto Capitão Wagner como Célio Studart e Heitor Freire são apresentados como pré-candidatos à disputa pela Prefeitura de Fortaleza neste ano. 

Recurso alvo de embates judiciais

A discussão sobre o remanejamento do fundo eleitoral para a Saúde tem gerado, inclusive, embates na Justiça. No último dia 8 de abril, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) derrubou uma decisão anterior da Justiça Federal de Brasília que bloqueava os recursos para que eles pudessem ser utilizados em ações de combate à Covid-19. 

Dessa forma, o TRF-1 acatou recurso da Advocacia Geral da União (AGU) e do Senado, que pediam o desbloqueio da verba alegando que houve interferência da Justiça em uma matéria orçamentária, o que fere a separação dos três Poderes. 

Atualmente, os recursos dos fundos eleitoral (R$ 2 bilhões) e partidário (R$ 1 bilhão), previstos no Orçamento federal deste ano, continuam garantidos para custear candidaturas nas eleições municipais previstas para outubro. 

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