Números do Bolsa Família no Nordeste criam tensão no Congresso

Requerimento do senador Tasso Jereissati (PSDB) para convocar o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, para detalhar os dados sobre o critério de distribuição de novos benefícios no Senado Federal deve ser votado hoje

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br
Legenda: O tema também deve estar na pauta da reunião das lideranças da oposição da Câmara
Foto: Foto: Antônio Carlos Alves

A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado deve apreciar ainda hoje requerimento de autoria do senador cearense Tasso Jereissati (PSDB) para convocação imediata do ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, a dar explicações aos parlamentares sobre as concessões de novos benefícios do Bolsa Família. A desigualdade na distribuição em 2020, que estaria prejudicando a região Nordeste, tem sido alvo de críticas no Congresso Nacional. Parlamentares cearenses, entretanto, se dividem nas reações.

Mesmo com o alcance do Bolsa Família diminuindo no Brasil, o Governo conseguiu incluir novas famílias no Programa em janeiro. Segundo reportagem do Estadão, o Nordeste recebeu apenas 3% dos novos benefícios enquanto Sul e Sudeste somaram 75% das novas concessões.

"Uma das extravagâncias mais perversas que eu já vi de um Governo", afirmou Tasso Jereissati em vídeo nas redes sociais. "(O ministro precisa) Dizer o que, o porquê e que tipo de critério foi utilizado para que a gente possa tomar as medidas cabíveis. Isso pode significar o rompimento do Nordeste com o Governo Federal", enfatizou o senador. A bancada do Nordeste tem 151 deputados e 27 senadores.

A expectativa do tucano é que, além de aprovar o requerimento, a Comissão também agende a data para convocação do ministro para ainda essa semana. Quando um ministro é convocado, ele é obrigado a comparecer à comissão. Do contrário, comete crime de responsabilidade.

Critérios

Deputados cearenses devem aguardar a ida de Lorenzoni ao Senado antes de pensarem qualquer ação sobre o caso. "É necessário aprofundar os números para que a gente não caia em um erro", pondera Eduardo Bismarck (PDT). Ele aponta que é melhor realizar um "trabalho conjunto" com senadores e, a partir daí, avaliar se será necessária alguma ação mais assertiva.

"A preocupação é que haja uma equiparidade entre as regiões, até porque a crise econômica atingiu de maneira mais forte o Nordeste, que convive com a seca e com a dificuldade de empregos. Mas prefiro ter uma análise mais detalhada dos números".

O coordenador da bancada cearense, deputado Domingos Neto (PSD), concorda que é preciso ter mais dados quanto à distribuição de benefícios. "Requisitei da consultoria de Orçamento que pudesse fazer uma nota técnica para entender melhor o que é isso, porque ainda existem dúvidas sobre a questão", afirma.

Presidente da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), Nilson Diniz considera que o mais importante é saber quais critérios foram utilizados pelo Ministério da Cidadania para fazer a distribuição. Segundo ele, mesmo se fosse levado em conta apenas a população do Nordeste, o percentual de novos benefícios deveria ser maior, uma vez que a região reúne 27% da população brasileira.

"O Ceará tem um índice de extrema pobreza muito forte, então são muitas famílias necessitando desse benefício. E isso repercute principalmente nos pequenos municípios, aqueles que estão no semiárido", diz. Segundo ele, mesmo a distribuição levando em conta apenas a população seria desigual. "Temos um índice de extrema pobreza mais acentuado e necessitamos de um maior aporte", enfatiza. No Nordeste, são cerca de 939,6 mil famílias nessa situação.

A prioridade dada nas novas concessões do Bolsa Família também disparou um alerta entre governadores do Nordeste, que se articulam para buscar apoio no Congresso e cobrar resposta do Governo.

Em outra frente, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MP-TCU) deve ingressar com uma representação solicitando apuração mais detalhada sobre a execução do programa. Já o Ministério Público Federal (MPF) deu cinco dias, a contar de ontem, para que Onyx esclareça critérios de concessão do Bolsa Família.

Reações

Ainda hoje, o tema também deve estar na pauta da reunião das lideranças da oposição da Câmara dos Deputados. "Nós queremos fazer um movimento, inclusive pedindo o apoio do presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ), para que o Poder Legislativo possa tentar reverter esse menosprezo do Governo Federal com o Nordeste", frisa o deputado André Figueiredo (PDT).

"Está havendo uma priorização para regiões em que há um maior alinhamento político com o presidente. Desde o primeiro momento, houve pouca vontade com a região Nordeste", afirma Figueiredo. "É inevitável associar esse tipo de atitude com um irresponsável e inaceitável espírito de vingança do Presidente da República contra o povo nordestino, em razão do resultado democrático das últimas eleições", concorda o senador Prisco Bezerra (PDT).

Números

Além dos governadores dos nove estados nordestinos serem oposição ao presidente, o Nordeste também foi a única região na qual Bolsonaro perdeu nas últimas eleições gerais, com 30,3% dos votos no segundo turno.

Dos 100 mil contemplados por novos benefícios do Bolsa Família em janeiro, 45,7 mil são residentes no Sudeste, 29,3 mil no Sul, 15 mil no Centro-Oeste e 6,6 mil no Norte. O Nordeste recebeu 3.035 novos benefícios e manteve a média mais magra de meses anteriores. Os dados se referem às novas concessões.

Do total de beneficiários que receberam pagamentos em fevereiro de 2020, no entanto, 6,7 milhões são de famílias nordestinas. O montante representa 50,75% dos pagamentos realizados no último mês. Nos dados, fornecidos pelo Ministério da Cidadania, não é possível identificar se foram concedidos novos benefícios no Ceará. Contudo, apesar das novas concessões feitas em janeiro, houve uma queda do número de beneficiários cearenses. Enquanto em dezembro de 2019 eram 1.014. 628 beneficiados no Ceará, em janeiro de 2020 eram 1.013.000.

Indagado pela reportagem sobre a diminuição dos beneficiários no Ceará, o Ministério da Cidadania informou apenas que "o processo de concessão de benefícios é impessoal e realizado por meio de sistema automatizado". Acrescentou, ainda, que a inclusão de novas famílias depende de fatores como desligamentos voluntários, procedimentos de averiguação e revisão cadastrais, além da disponibilidade orçamentária.

Sem privilégio

Quanto à desigualdade na distribuição dos novos benefícios do programa social no início de 2020, a Pasta negou qualquer privilégio às regiões Sul e Sudeste. Nota enviada pela assessoria afirma que esta é apenas "mais uma tentativa de dividir os brasileiros". Contudo, não foram informados dados sobre a distribuição de novas concessões.

O texto também ressalta que o Bolsa Família deve passar por uma reestruturação. "O intuito é beneficiar os cidadãos que mais precisam, mantendo o espírito de eficiência no gasto do dinheiro público", finaliza a nota. Esta reformulação também foi apontada pelo deputado Heitor Freire (PSL) como possível razão para uma desigualdade.

"Na atual situação econômica do País, algumas mudanças geram mais impactos em uma região do que em outra. Mas, apesar da recepção negativa dessa notícia para o Nordeste nesse momento, acredito que a região não será negligenciada pelo Governo Federal", considera o parlamentar.

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