Moeda de troca, Dnocs perde 42% dos servidores em cinco anos

O cenário de sucateamento da autarquia, fundamental para a região Nordeste, prejudica projetos de políticas públicas no interior. O Departamento tem o terceiro diretor-geral em menos de um ano e meio

Escrito por Wagner Mendes ,
Legenda: Sede do Dnocs, em Fortaleza
Foto: Foto: Kid Junior

Com três diretores diferentes em menos de um ano e meio, o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) vive um dos piores cenários na história. Moeda de troca entre partidos políticos e o Palácio do Planalto, a autarquia perdeu 42% dos servidores nos últimos cinco anos sem qualquer reposição.

Números repassados à reportagem pela própria instituição contabilizam 6.910 beneficiários com pensão. Em 2019 foram aposentados 279 servidores e, de janeiro a março deste ano, já somam 38 aposentadorias. O Dnocs fechou a folha de abril de 2020 com 899 servidores em atividade.

Segundo o chefe da Divisão de Gestão de Pessoas da autarquia, Marley Cisne de Morais, "essa característica demonstra redução no quadro de profissionais que já está em uma situação extremamente deficitária". Além de reiteradas solicitações de concurso público, o Departamento argumenta que busca, de prefeituras e estados, cessão de servidores com perfis adequados para recomposição parcial da força de trabalho. "Temos alguns servidores nessa situação, como no Piauí e em Minas Gerais, além de vários processos de cessão em andamento", diz a nota.

A proposta mais recente de concurso público prevê o preenchimento de 137 cargos. O número, no entanto, mesmo que aprovado, não é suficiente para o necessário.

O Diário do Nordeste pediu entrevista com o novo diretor-geral, Fernando Marcondes de Araújo Leão, nomeado neste mês após indicação do Centrão - bloco informal de partidos conhecido por se aliar a governos diferentes, independentemente da ideologia -, para prestar esclarecimentos sobre um plano de contenção de perdas, mas esse recusou ao pedido.

Um dos questionamentos que seria feito é sobre quais saídas serão adotadas para o problema de escassez de corpo técnico e quando o esvaziamento vai ser solucionado.

Prejuízos

Pesquisador da segurança hídrica no interior do Ceará, o professor doutor em geografia pela Universidade de São Paulo, Jader Santos, relata que "hoje há uma imensa precariedade e sucateamento do órgão" na região. "Situação calamitosa", diz o geógrafo.

O professor cita que alguns escritórios regionais no Estado vivem uma situação "penosa". No de Forquilha, localizado a cerca de 192 km de Fortaleza, por exemplo, há unicamente dois funcionários trabalhando, e que estão em idade para se aposentar.

Resultado desse sucateamento é a fragilidade na condução de políticas hídricas no interior. A ausência de corpo técnico e de projetos oriundos do Departamento abrem uma vala que acaba sendo preenchida quase exclusivamente pelo Governo do Estado. "Você tem os grandes projetos de transposição de água que, do ponto de vista do Governo Federal, é a alimentação do eixo pelo rio São Francisco. E essa obra se arrasta há pelo menos dez anos", relata o geógrafo.

O professor pontua que o Estado adotou "ações emergenciais" nos últimos anos para evitar o colapso nos seis anos de estiagem que o Estado enfrentou. Para o pesquisador, poderia haver incentivo em políticas de uso racional de água, como o já feito pelo Sistema Integrado de Saneamento Rural (Sisar). "Historicamente não é trabalhado o uso racional, fomentado o trabalho de reaproveitamento da água em pequenas propriedades rurais", sugere.

Nomeações

Os prejuízos que são sentidos na ponta são consequência de uma política velha adotada nas últimas décadas. A troca de cargos por apoio político no Congresso Nacional muda a prioridade dos serviços públicos não apenas no Departamento, mas em diversos órgãos que continuam sendo leiloados pelo atual Governo. A avaliação é de cientistas políticos consultados pelo Diário do Nordeste.

Diante da condição de crise do Governo, com a saída de ministros e as divergências com o Judiciário e o Legislativo, as estratégias de gestão estão sendo revistas pelo Palácio do Planalto. A professora Monalisa Torres, da Universidade Estadual do Ceará, ressalta que o presidente Jair Bolsonaro precisa "montar um grande bloco para governar". E que, nesse momento, "quando ele não quer mediar com o Congresso e não tem no governo um quadro político capaz de conduzir essa articulação", a saída é negociar com os partidos mais fisiologistas, como os que integram o Centrão.

Torres lembra que algumas reformas no Congresso Nacional foram aprovadas por articulação do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (MDB-RJ), que assumiu esse papel de articulação. Ou, então, por Davi Alcolumbre (DEM-AP), como é o caso dos recursos aprovados para estados no meio da pandemia da Covid-19. A ausência de protagonismo no Legislativo acabou obrigando o governo a adotar a mesma receita de divisão de cargos, criticada por Bolsonaro na campanha, para conseguir governar.

"A aliança com o Centrão agora é muito precária. Há uma cobrança grande. Caso a popularidade caia mais, tendo a debandada da base, é provável que essa aliança com o Centrão se rompa. Ela não é segura", prevê a professora. O mesmo grupo deixou o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) para dar sustentação ao Michel Temer (MDB).

Resgatando um termo bastante utilizado pelo presidente na campanha de 2018, o professor da Universidade Federal do Ceará, Uribam Xavier, diz que "a saída é fazer o toma lá dá cá que é ceder para o Centrão". A receita política que esvazia o Dnocs e que foi criticada por aliados do atual governo ainda não é admitida abertamente em Brasília. Xavier retoma cenários já vividos pelo País na distribuição de cargos para partidos aprovarem as matérias de interesse do Governo na Câmara e no Senado. "Para manter um governo que já está desgastado os partidos vão querer cargos que tenham orçamento substancioso", prevê o professor.

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