Marco legal do saneamento básico volta ao debate no Senado
O senador cearense Tasso Jereissati deve apresentar, amanhã (16), o parecer do projeto de lei que trata da questão. A discussão deve ser feita diretamente no Plenário da Casa e a votação deve ocorrer ainda neste mês
O marco legal do saneamento básico deve voltar ao centro das discussões no Senado Federal ainda na próxima semana. Com o avanço da pandemia da Covid-19 no País, a proposta tem sido considerada prioritária tanto por parlamentares como pelo Executivo. O projeto é visto como essencial para a retomada dos investimentos no Brasil. O relator da proposta, Tasso Jereissati (PSDB), deve apresentar amanhã (16) o relatório diretamente no Plenário da Casa.
A expectativa é de que o projeto seja votado ainda neste mês, entre os dias 24 e 25 de junho. A decisão foi tomada na reunião do Colégio de Líderes do Senado, no dia 8. Considerado prioritário pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre, o novo marco regulatório foi aprovado no fim de 2019 pela Câmara dos Deputados.
Em março, o Senado recebeu um ofício assinado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, colocando a matéria como uma das prioridades para o Governo durante a pandemia. “Trata-se de matérias infraconstitucionais que estão em tramitação e que são extremamente relevantes para resguardar a economia do País, aumentando a segurança jurídica para os negócios e para atrair investimentos”, afirmou Guedes no documento.
Além de estabelecer metas para o setor, o projeto de lei também prevê a inserção de recursos da iniciativa privada para o serviço e abre a concorrência com as empresas públicas que, atualmente, tem exclusividade no segmento.
Discussão
Contudo, ainda existe resistência à proposta por parte dos senadores. Parlamentares da oposição alegam que a exigência de licitações e as metas de desempenho para contratos tenderão a prejudicar e alienar empresas públicas. Além disso, o texto estabelece prioridade no recebimento de auxílio federal para os municípios que efetuarem concessão ou privatização dos serviços.
“Não é propriamente um programa de privatização, é um programa que abre as portas para os recursos privados”, rebate Tasso Jereissati. “Só a iniciativa privada vai poder nos ajudar a atingir uma meta, pelo menos razoável em curto espaço de tempo”. Para o senador, foi o “monopólio das empresas públicas para o saneamento” que fez com que essas instituições “ficassem paradas no tempo”.
Outro senador da bancada cearense, Eduardo Girão (Podemos) concorda com a importância da discussão imediata da proposta. “Ninguém pode negar que aprovar um marco regulatório é extremamente relevante e deve ser deliberado com a máxima urgência”, ressalta.
O parlamentar destaca ainda que o debate sobre o tema tem sido extenso desde a aprovação, apenas pelo Senado, da Medida Provisória do Governo Federal que tratava da questão. “O assunto está amadurecido, debatido e passando da hora de votarmos”, ressaltou. A MP, que também teve relatoria de Tasso, não chegou a ser votada na Câmara Federal e acabou caducando.
Mudanças
O novo marco regulatório tem como foco a regulação dos serviços de saneamento na esfera federal, além de prever a obrigatoriedade de licitações e regionalizar a prestação a partir da montagem de blocos de municípios.
A principal novidade é o fim dos contratos de programa, instrumentos pelos quais os municípios transferem a execução dos seus serviços de saneamento para empresas públicas dos governos estaduais. Os contratos contêm regras de prestação e tarifação, mas permitem que as estatais assumam os serviços sem concorrência. Em vez disso, são propostas licitações envolvendo empresas públicas e privadas.
Para viabilizar economicamente a prestação para cidades menores, mais isoladas ou mais pobres, o texto determina que os estados componham “blocos”, para contratar os serviços de forma coletiva. Municípios de um mesmo bloco não precisam ser vizinhos. A adesão, contudo, é voluntária.
Pela proposta, a regulação do saneamento básico do Brasil ficaria a cargo da Agência Nacional de Águas (ANA). O projeto exige dos municípios e dos blocos que implementem planos de saneamento básico, e poderá oferecer apoio técnico e ajuda financeira para essa tarefa.
Difícil universalização
A disseminação da Covid-19 no País tornou ainda mais evidentes as dificuldades, principalmente da população de baixa renda em seguir recomendações básicas de prevenção à infecção, pela falta de acesso à água potável e ao saneamento. No Brasil, 100 milhões não têm acesso a serviços de esgoto, enquanto 35 milhões não têm água tratada em casa.
“O Brasil ficou muito para trás. O déficit nesse setor é muito alto”, explica o presidente executivo do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos. Ele explica que a estrutura do saneamento básico no País hoje é similar a que tinham os países desenvolvidos no século 19. “Um país não se desenvolve para todo mundo sem a universalização do saneamento básico”, critica.
O Instituto reúne estudos e dados sobre a situação do Brasil e o que ainda falta para se atingir a universalização do saneamento básico. “Este é um setor ineficiente, porque tem tido pouca atenção das autoridades. Então, existe o baixo interesse do político e é um setor pouco e sem recursos para dar conta do tamanho do desafio”, detalha. Outro ponto é importante para esta equação, ele destaca, é a falta de cobrança do cidadão.
Ceará
No Ceará, existe uma ampla cobertura da rede de água, com 92% tendo água tratada em casa, mas a coleta de esgoto ainda é inferior a 40%. O número, no entanto, não é equivalente ao atendimento da população no setor, explica Marcella Facó, da coordenadoria de Saneamento do Estado. No caso, os percentuais são de 74% e 33%, respectivamente.
“Essa diferença deve-se principalmente devido a diversos usuários que preferem não se ligar às redes”, explica Marcella Facó. A Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) é responsável pela cobertura de serviços em 152 dos 184 municípios cearenses. Nestes, o abastecimento de água está próximo a universalização, com 98,3%, enquanto a coleta de esgoto é de 42,9%.
Tasso Jereissati: “são poucas as discordâncias”
Será feita alguma mudança em relação ao texto que chegou da Câmara?
O debate sobre esse tema já ocorre há um ano e meio no Congresso, envolvendo inúmeros setores, com dados e informações suficientes para uma decisão. São poucas as discordâncias, que estão postas entre os defensores desta ou daquela posição.
Como está a articulação com os outros senadores, já que existe uma certa resistência por parte principalmente da oposição?
Já há uma conscientização de grande parte do Congresso da urgência dessa matéria. A própria pandemia que aí está em boa parte é ampliada por nossas precárias condições sanitárias. Os argumentos falam por si: precisamos garantir que todo brasileiro tenha água tratada, rede de esgoto e de drenagem, além de ser servido por bons serviços de manejo do lixo.
Qual a importância deste projeto em um momento de pandemia?
Para se ter uma ideia, em pleno século 21, quando se pede para que o nosso povo lave as mãos, há 35 milhões de brasileiros sem água tratada. É um grande paradoxo. Com mais de 100 milhões de brasileiros sem coleta e tratamento adequado de esgoto, temos sido castigados por toda sorte de outras doenças. A falta de saneamento básico é responsável por 350 mil internações hospitalares a um custo de quase R$ 6 bilhões, e mais importante ainda, uma inestimável perda de vidas por doenças que poderiam ser evitadas com água e esgoto tratados.
Projeto é uma forma de “privatização” do setor?
Não. O que o novo marco regulatório faz é estabelecer concorrência para a prestação de serviços de saneamento no Brasil. Hoje, o setor tem um marco regulatório que atrapalha e limita o investimento, em especial o privado. Universalizar os serviços até 2033 vai custar cerca R$ 700 bi. Os benefícios têm múltiplas dimensões: Estima-se que a cada bilhão de reais investidos, serão gerados aproximadamente 60 mil empregos. Saneamento também tem efeito multiplicador na saúde, educação, enfim, na melhoria da qualidade de vida das pessoas.