Lives com citações a políticos acendem alerta para fiscalização

Ainda que, via de regra, não representem nenhuma irregularidade, é preciso atenção dos gestores públicos para evitar ultrapassar os limites do abuso de poder político e/ou econômico e da propaganda antecipada

Escrito por Jéssica Welma ,

"Duas pessoas que fazem muito por essa cidade”, dizia um vocalista de uma conhecida banda de forró em apresentação musical ao vivo transmitida nas redes sociais no último sábado (6) em referência ao deputado federal Junior Mano (PL) e ao prefeito de Nova Russas, Rafael Pedrosa (PL). No mesmo dia, o deputado federal Eduardo Bismarck e o prefeito de Aracati e pai do deputado, Bismarck Maia (PDT), eram elogiados na live de outro cantor, na qual também foram citados o senador Cid Gomes e o irmão, Ciro Gomes, ambos do PDT. Desde o início da pandemia, os shows caíram no gosto de quem está confinado em casa e têm sido palco também de citações a figuras políticas no Ceará, o que acende sinal de alerta a órgãos de fiscalização. 

Por se tratar de ano eleitoral, há uma série de regras de adequação de conduta para gestores públicos e pré-candidatos no que diz respeito à comunicação nas redes sociais. Os elogios e citações em uma transmissão ao vivo não são um problema, porém o Ministério Público Eleitoral (MPE) ressalta que há restrições para gastos e proibição de benefício pessoal com propaganda quando há uso de dinheiro público em um show ou evento semelhante. 

“Se alguém está fazendo uma live e faz um comentário que se refira a político, isso não tem problema. Agora o problema que pode ter é o patrocínio à live”, exemplifica o coordenador do Centro de Apoio Operacional Eleitoral do Ministério Público do Estado do Ceará, o promotor de Justiça Emmanuel Girão. 

O cenário da pandemia do novo coronavírus tem sido atípico até mesmo para a fiscalização da conduta de agentes públicos. “O patrocínio a uma live é como se fosse um showmício virtual”, afirma Girão. Desde 2006, a Lei das Eleições proíbe a realização de showmício e de evento assemelhado para promoção de candidatos. 

Festejos

Não só em campanha eleitoral há proibição para o uso de shows artísticos em benefício individual. Em festejos municipais, como aniversários da cidade ou festa da padroeira, por exemplo, é proibido haver menção ao gestor público, uma vez que isso pode configurar abuso de poder político e/ou econômico. 

Segundo Girão, no caso das live e das citações a figuras públicas, não há ainda denúncias de irregularidades, até porque é difícil provar que haja algum tipo de pagamento ou de promessa de contratação, por exemplo, que viabilizou a citação. Se comprovado, afirma o promotor, “seria uma propaganda eleitoral ilícita, que vai na direção do abuso de poder econômico. Sou candidato, amigo do cantor e ele fica dizendo meu nome, mas meu colega que vai se candidatar contra mim não tem a mesma oportunidade”. 

Em Barbalha, no Cariri, a doação de uma tonelada de alimentos pelo prefeito do Município, Argemiro Sampaio (PSDB), na live do cantor Léo Magalhães, em meados de maio, alimentou a disputa político-eleitoral dele com o deputado estadual Fernando Santana (PT), derrotado nas eleições de 2016 no município. 

Santana questionou o atual prefeito, em transmissão pessoal no Facebook, porque o investimento não tinha sido destinado a artistas locais. À época, Argemiro se defendeu nas próprias redes sociais, dizendo que a doação foi feita após receber convite de um amigo em comum com cantor, sob a condição de que a distribuição seria feita no município de Barbalha. 

Novidade

“É tudo muito novo. A gente nunca viveu isso no Brasil. As próprias bandas estão tendo que fazer as lives pra manter público e ganhar dinheiro com isso (durante a pandemia). (As lives) Não são de graça, têm patrocínio e tal. Para o político, não rende voto algum e o impacto de imagem é muito pouco. Por incrível que pareça, o eleitor comum sabe separar o artista e o político”, pontua o consultor político Leurinbergue Lima. 

Ele cita como exemplo um pré-candidato em uma campanha eleitoral passada no Ceará que adotou como estratégia, antes da campanha, pagar uma banda de forró para citar o nome dele em shows. “Ele montou uma estratégia em torno disso, gastou uma grana, tinha todos os cálculos de públicos, de shows por semana, e contava com o alô da banda e os CDs promocionais gravados e distribuídos nos shows. O resultado foi pífio diante dessa estratégia tosca. É legal é bacana, o cara posta o nome dele, mas o eleitor lembra muito mais pelo que você fez”, ressalta Leurinbergue, que tem atuação principalmente em campanhas no interior. 

Impessoalidade 

Nesta semana, o Diário do Nordeste mostrou que o Ministério Público do Estado já acionou 88 das 184 prefeituras em ações preventivas e de fiscalização no uso de recursos públicos em meio à pandemia.

Desse total, pelo menos 17 gestores municipais foram alertados sobre cuidados com condutas irregulares que podem configurar quebra da impessoalidade do gestor a partir de uma promoção pessoal. 

Os casos mais comuns têm sido de prefeitos ou prefeitas que usam publicidade institucional pela distribuição de programas de renda, cestas básicas, gás de cozinha e máscaras de proteção, por exemplo, como propaganda em benefício próprio. 

Entre os critérios que definem os limites da propaganda eleitoral antecipada, a Lei das Eleições ressalta a proibição de “pedido explícito de votos”. Destaca também que “o uso de elementos classicamente reconhecidos como caracterizadores de propaganda, desacompanhado de pedido explícito e direto de votos, não enseja irregularidade per se”. 

No entanto, de acordo com a legislação eleitoral, “a opção pela exaltação de qualidades próprias para o exercício de mandato, assim como a divulgação de plataformas de campanha ou planos de governo acarreta, sobretudo, quando a forma de manifestação possua uma expressão econômica minimamente relevante”, ônus como a impossibilidade de usar os mesmos elementos durante o período oficial de campanha. Além disso, a Justiça Eleitoral ressalta que é necessário haver “respeito ao alcance das possibilidades do pré-candidato médio”. 

O que diz a Lei das Eleições sobre shows

Nos três meses que antecederem as eleições, na realização de inaugurações é vedada a contratação de shows  artísticos pagos com recursos públicos. 

É proibida a realização de showmício e de evento assemelhado para promoção de candidatos, bem como a  apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar comício e reunião eleitoral. 

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