Capital tem desafio de resolver favelização
Mesmo com a implantação de uma série de programas habitacionais pelo poder público, segundo dados do IBGE, foram criadas pelo menos 40 novas favelas na cidade de Fortaleza entre os anos 2000 e 2010 FOTO: BRUNO GOMESEmbora 16% da população de Fortaleza more em favelas, os últimos prefeitos da Capital pouco tem conseguido fazer para reduzir os problemas enfrentados nesses conglomerados. Mesmo com a implantação de programas habitacionais, segundo o IBGE, foram criadas 40 novas favelas na Capital entre os anos 2000 e 2010. Especialistas apontam que falta esforço do poder público para efetivar o planejamento urbano, enquanto essas comunidades ficam passíveis de interesses eleitoreiros. É desafio do próximo gestor combater o problema, que atinge, atualmente, 396.370 fortalezenses.
Pesquisadores das áreas de urbanismo e geografia entrevistados pelo Diário do Nordeste apontam que a solução para o problema passa pela criação de políticas públicas no sentido de viabilizar parâmetros urbanísticos mais acessíveis à população de baixa renda ou mesmo pelas remoções, desde que o objetivo delas sejam resolver os problemas das comunidades e não apenas viabilizar obras e outras intervenções na cidade.
Arquiteta e urbanista da Universidade Federal do Ceará (UFC), a professora Clarissa Freitas afirma que as pessoas vivem numa espécie de sub-cidadania nas favelas, visto que possuem acessos deficitários a serviços básicos como, por exemplo, coleta de lixo, esgoto e transporte. Conforme dados do IBGE, apenas 52% dos domicílios localizados em favelas de Fortaleza têm rede de esgotamento sanitário, por exemplo.
"A dimensão da sub-cidadania também se revela pela insegurança de posse, onde comunidades antigas e consolidadas se veem vulneráveis a despejos forçados, recorrentes especialmente em bairros de alta valorização imobiliária", declara Clarissa. Segundo a professora, em razão da condição irregular desses assentamentos, os investimentos em urbanização são considerados um favor dos entes políticos, gerando relações clientelistas.
Desordenado
Já a pesquisadora Mariana Fernandes Mendes, do curso de Geografia da Universidade Estadual do Ceará (Uece), lembra que a favela não é só um lugar desordenado e repleto de carências. "Na favela, os problemas são muitos e muitos são os interesses imobiliários em exterminá-la e os interesses políticos em mantê-la".
Conforme Mariana Fernandes, a população que vive nesses conglomerados é a que mais sofre com o descaso do poder público, acrescentando que as intervenções feitas visam objetivos que nem sempre são resolver o problema do conglomerado. A professora lembra que, em Fortaleza, já houve políticas de desfavelamento na década de 1980, removendo famílias de áreas centrais para áreas periféricas.
Ela salienta que, no final da década de 1990, o termo "desfavelização" foi trocado por "urbanização de favelas", pressupondo intervenções nas comunidades sem a remoção. Apesar da melhora em algumas áreas, afirma, os problemas de falta de serviços básicos persistiram em muitas localidades.
Mariana Fernandes ressalta que a Lei Orgânica prevê o remanejamento para um raio de 2 Km da comunidade de onde residiam e, segundo ela, quando o reassentamento não obedece à legislação, há uma violação do direito de habitar a cidade. "Por isso, a luta da população ameaçada de remoção é para ficar", diz.
Já Clarissa Freitas analisa que houve avanços nos programas habitacionais, principalmente em relação a comunidades reassentadas próximo ao lugar onde residiam, mas também retrocessos. "Em síntese, não há urbanização de forma integrada".
Clarissa Freitas destaca ainda dois pontos negativos da prática atual: "Os investimentos em urbanização não estão associados a programas de regularização fundiária nem à definição de regras de uso e ocupação daquele espaço que sofreu urbanização, permitido que ele torne-se um assentamento precário novamente". Segundo ela, as Zeis seriam uma tentativa de resolver essas questões, mas falta interesse do poder público para efetivar esse instrumento.
Os caminhos para resolver a problemática, aponta a urbanista, requer critérios mínimos de habitabilidade para a urbanização do assentamento e regularização fundiária. "Infelizmente, em Fortaleza, tais critérios não têm sido estabelecidos", afirma. Enquanto isso, Mariana Fernandes acredita que os caminhos para reduzir o problema são programas de urbanização e a remoção, desde que tenha como objetivo as comunidades e não desastres naturais ou outras obras.
Integração para a Copa do Mundo
Com 16% da população de Fortaleza vivendo em favelas, é papel do futuro gestor da Capital encontrar formas para integrar as comunidades à cidade visando a Copa do Mundo de 2014. Para especialistas, os projetos atuais de remoção de famílias para viabilizar as obras para o evento revelam que as administrações estadual e municipal não estão atentas para a integração. Dessa forma, apontam, o próximo prefeito precisa pensar alternativas para evitar prejuízos a essas comunidades.
A geógrafa Mariana Fernandes Mendes lembra que, devido às obras viárias para a realização da Copa, está prevista a remoção de 4 mil famílias em decorrência do VLT. Ela afirma que essas pessoas serão reassentadas em dois bairros da periferia da cidade, no Conjunto Prefeito José Walter e na Paupina.
"Despejar centenas de moradores que residem em várias comunidades localizadas em aproximadamente 22 bairros da cidade e colocá-los num só local não se trata de uma proposta de integração, e sim, de aglomeração de pessoas, cuja habitação e indenização não correspondem ao valor da moradia", critica.
Para ela, a situação deve ser repensada pelas autoridades no sentido de que sejam propostas alternativas aos processos em execução no intuito de minimizar os impactos e fazer valer os instrumentos legais que regem o município. "É preciso destacar que seguir a lei não basta, é necessário mudar a forma como se vive e se pensa a cidade", diz.
Enquanto isso, a urbanista Clarissa Freitas, da UFC, considera que há uma grande contradição nas desapropriações para a Copa. "Em algumas comunidades, como o Lagamar, que haviam sido definidas como de uso predominante de Habitação de Interesse social, serão parcialmente removidas por conta de projetos que surgem depois do Plano Diretor. Na prática, o planejamento não é usado", reclama a professora.
Participação
Uma questão importante quando se fala em intervenções nas favelas é a participação popular nas decisões. Para as especialistas, está havendo um retrocesso nessa questão. Mariana Fernandes explica que, em 2009, foi aprovado o Plano Diretor de Fortaleza para construir coletivamente diretrizes para a cidade. "Apesar da sua elaboração não ter sido efetivamente democrática, já que na essência sua conjuntura foi muito mais consultiva do que participativa, o Plano Diretor foi considerado uma conquista popular por conta da delimitação das ZEIS", afirma.
Porém, diz a professora, no ano da aprovação do Plano Diretor, a FIFA divulgou Fortaleza como sub-sede da Copa, o que motivou a subordinação do Plano para viabilizar obras para o evento. "Sendo assim, não podemos dizer que houve avanço, mas um retrocesso sem precedentes, uma vez que, para realizar um evento de 30 dias, se sacrificará várias décadas".
Já a urbanista Clarissa Freitas salienta que um ponto fundamental para a participação é a transparência. "Ou seja, a disponibilização das informações dos projetos previstos para essas áreas e dos critérios que embasaram a tomada de decisões. Isso é mínimo, e é anterior à efetiva participação no processo decisório", completa.
Apesar disso, a estudiosa Clarissa Freitas diz ainda não ter encontrado nenhum líder comunitário ou morador que se sinta completamente informado a respeito das intervenções previstas para sua comunidade.