Base de Bolsonaro no CE minimiza desgastes após crises no Governo

Integrantes de grupos apoiadores do presidente da República no Estado, que antes defendiam o então ministro da Justiça Sérgio Moro, agora o acusam de "politicagem" e afirmam que a direita bolsonarista está "se definindo" no País

Escrito por Letícia Lima , leticia.lima@svm.com.br
Legenda: Bolsonaro esteve com apoiadores durante manifestação contra o Congresso e o STF no domingo, em Brasília
Foto: Foto: AFP

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Ceará negam que estão divididos, após os últimos episódios da crise política no Governo Federal, envolvendo a saída dos ex-ministros Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública) e Henrique Madetta (Saúde). Movimentos que antes defendiam Moro, agora o rechaçam, chamam de "politicagem" denúncias dele contra o presidente e, apesar das perdas de apoiadores, afirmam: "a direita está se definindo".

Por outro lado, os bolsonaristas não negam que o pedido de demissão do ex-ministro da Justiça foi um baque para o grupo de apoio do presidente. Moro foi escalado para o Governo Bolsonaro como símbolo do combate à corrupção no Brasil.

No entanto, em 2019, já se vislumbrou uma divisão entre bolsonaristas e lava-jatistas (apoiadores de Moro, ex-juiz da Operação Lava Jato), quando surgiram as primeiras denúncias envolvendo um dos filhos do presidente Bolsonaro: o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). Em uma delas, Flávio é investigado em suposto esquema de "rachadinha" - devolução de salário de servidores - durante período como deputado estadual no Rio de Janeiro.

Desde que Moro assumiu o cargo de ministro, alguns embates, ainda que não públicos, aconteceram entre ele e o presidente. O último desentendimento, sobre a troca do comando da Polícia Federal, foi considerado a gota d'água para o pedido de demissão do ex-juiz. Para completar, Moro ainda acusou Bolsonaro de querer interferir politicamente na corporação. Entretanto, para aliados do presidente no Ceará, os últimos fatos têm conotação político-eleitoral. Eles negam enfraquecimento ou divisões internas entre os apoiadores por causa das mais recentes turbulências no Governo Federal.

'Politicagem'

O deputado estadual Delegado Cavalcante (PSL) diz que "tudo é politicagem" e acusa o ex-ministro de ter se envolvido com partidos. "O Moro sempre livrou o PSDB (na Lava-Jato). O interesse maior é a política partidária, os corruptos estão incomodados com o presidente dirigindo o País", sustenta o parlamentar.

Cavalcante é crítico do "toma lá, dá cá" - expressão que se refere à troca de cargos e verbas para estados e municípios por apoio dos congressistas em votações -, mas, quando questionado sobre as negociações de cargos em curso no momento entre o presidente e parlamentares, diz não ver problema nenhum.

"Ele negocia com o 'Centrão'. O que é que tem? Pode negociar para ter equilíbrio político com a Câmara Federal, pode indicar, agora não é como antigamente que o cara era dono da repartição pública. Tenho certeza de que ele não vai colocar ladrão lá".

Para o presidente do movimento Endireita Fortaleza, Adriano Duarte, o campo da direita bolsonarista não está dividido, mas "se definindo". Segundo ele, pessoas que estão "abandonando" o barco governista são "meramente" antipetistas e têm "problemas de personalidade".

Oportunismo

"A parte fraca, que tem problema de personalidade, que veio para a direita só por oportunismo e liberalismo econômico, esse pessoal está se desesperando e pulando do barco. Por outro lado, as pessoas que têm profunda conexão com a realidade, pequenos empresários, pessoas pró-família e conservadoras estão nos procurando", afirma.

Sobre a saída de Moro, Adriano admite que o ex-juiz "ajudou muito" o Governo, mas aponta que o ex-ministro não é "uma pessoa comprometida com esse projeto de novo Brasil". "Tem sido parcial, endossado o inquérito inconstitucional das fake news. O pessoal que está com Bolsonaro está tendo as escamas dos olhos removidas".

O vice-presidente do Conexão Patriota no Ceará, Roberto Barros, faz questão de dizer que a saída dos ministros da Justiça e da Saúde ocorreu por divergência de ideias e não por corrupção. Ele, porém, critica os ex-auxiliares do presidente Bolsonaro por terem saído "atirando" no Governo.

"Mandetta não cumpriu as determinações do presidente, tem sua liberdade, mas tem que cumprir o que o presidente determina. O Moro pegou uma conversa particular e divulgou no mesmo dia da saída dele. Foi uma facada tanto para os apoiadores do Governo como para o Bolsonaro".

Apesar dos desfalques, Barros defende que o presidente mantém apoio popular. "Ainda é muito forte, mesmo com tudo isso, porque vem das pautas conservadoras", diz. Amanda Marins, uma das líderes do movimento Consciência Patriótica, afirma que a base de Bolsonaro não rachou. "Existem alguns movimentos que são antipetistas, mas não são anticomunistas. Estes nunca compuseram a base de apoio ao presidente".

Racha antigo

Ainda que apoiadores do presidente neguem divisões em meio à crise política nacional, aliados de Bolsonaro estão rachados desde o ano passado, por causa do PSL. No Ceará, antes mesmo do rompimento do presidente com o PSL, a legenda, presidida pelo deputado federal Heitor Freire, já estava sob conflitos. Por trás, a distribuição do fundo eleitoral em 2018, a disputa por cargos e diretórios na sigla, e denúncias envolvendo uso da verba parlamentar por Freire.

Assim, o partido se dividiu no Ceará entre a ala de Heitor Freire e a ala ligada ao deputado estadual André Fernandes. "O PSL é uma coisa e Bolsonaro é outra. Nós somos conservadores, bolsonaristas, e eles fazem a política deles", diferencia Delegado Cavalcante, membro do grupo de André Fernandes.

Já Heitor Freire, da ala do PSL rachada com Bolsonaro, tenta se descolar do presidente e, ao mesmo tempo, manter certa proximidade dele, para não perder apoiadores. Quando questionado sobre as declarações polêmicas do presidente sobre a pandemia do novo coronavírus, diz que discorda de muitas, mas compreende algumas, mostrando dubiedade.

Para ele, os conflitos dentro do Governo são "normais na Política". "Tanto que o nome é 'partido' político, se fosse todo mundo unido, com um único pensamento, seria 'junto' ou 'comunismo'", reage.

Nome indicado por Ramagem na PF

O presidente Jair Bolsonaro nomeou, na segunda-feira (4), Rolando Alexandre de Souza para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal. O termo de posse foi assinado em uma cerimônia reservada no gabinete de Bolsonaro, cerca de dez minutos após a publicação no Diário Oficial da União (DOU).

Auxiliares de Bolsonaro disseram que a posse-relâmpago ocorreu para não deixar a corporação sem comando por mais tempo.

Na semana passada, quando o escolhido para o cargo era Alexandre Ramagem, amigo da família Bolsonaro, o processo foi mais lento. A nomeação de Ramagem foi publicada no DOU no dia 28 de abril.

A posse aconteceria na tarde do dia seguinte, mas, horas antes, pela manhã, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), barrou o nome do escolhido de Bolsonaro.

No domingo (3), nos protestos contra o STF e o Congresso Nacional, Bolsonaro avisou que nomearia o novo diretor.

O novo diretor-geral do órgão foi indicado a Bolsonaro pelo próprio Ramagem. Rolando é atualmente secretário de Planejamento da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), comandada por Ramagem.

A escolha é vista internamente como uma medida temporária. O presidente ainda tem esperança de encontrar uma saída para nomear o amigo da família para a chefia da Polícia Federal.

O comando da corporação foi o estopim para a saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça. Bolsonaro demitiu Maurício Valeixo da diretoria-geral da Polícia Federal. Depois disso, Moro deixou o cargo acusando Bolsonaro de querer interferir na atuação da polícia.

Na segunda, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao ministro Celso de Mello, do STF, que três ministros do Governo Bolsonaro - Luiz Eduardo Ramos, Augusto Heleno e Braga Netto - sejam ouvidos no inquérito que apura se o presidente tentou interferir indevidamente em investigações da Polícia Federal.

Ainda na segunda, aliás, o presidente atribuiu a "alguns possíveis infiltrados" as agressões a jornalistas na manifestação do domingo (3) em frente ao Palácio do Planalto, em meio à pandemia do novo coronavírus no País.

Controversas

Apesar de declarações controversas de Bolsonaro, que minimizam a gravidade dapandemia do novo coronavírus e contrariam recomendações das autoridades internacionais de saúde, Heitor Freire defende que o Ministério da Saúde “está ajudando muitos estados, inclusive o Ceará”, no combate à Covid-19. 

‘Pecar’

“O presidente pode pecar em algumas de suas declarações, eu até compreendo o que ele quer dizer em certas falas, muitos não conseguem captar, porém o 
Governo não está medindo esforços para o combate àCovid-19”, argumenta.

Troca na PF

Ele também considera que a tentativa de Bolsonaro alçar ao comando da PF um amigo da família ocorreu por critérios técnicos, “apesar de sua proximidade pessoal” com Alexandre Ramagem, nome barrado pelo Supremo.

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