Suicídios crescem 40% nos presídios do País

Escrito por Redação ,
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Há suspeitas que líderes das quadrilhas estejam forjando suicídios de presos que não obedecem à lei do crime

Brasília. A população carcerária brasileira está sofrendo um aparente e suspeito surto de suicídios, que cresceram 40% em três anos, além do aumento do número de mortes por causas naturais, embora a média da faixa etária dos detentos fique entre 18 e 45 anos. Ao mesmo tempo, há uma redução de óbitos provocados por assassinatos e outros crimes, comuns às prisões.

O levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), vinculado ao Ministério da Justiça, revela, porém, indícios de uma mudança na tática das facções criminosas que controlam as penitenciárias: os líderes das quadrilhas estão forjando suicídios nas celas de presos que não obedecem à lei do crime, o que acaba distorcendo as estatísticas.

De 2006 a 2008, os suicídios cresceram 40% (de 77 para 108), se somados os dados de todas as cadeias brasileiras. A proporção de suicidas é quase cinco vezes maior dentro das penitenciárias e delegacias do que do lado de fora.

Segundo levantamento de suicídios do Datasus feito em 2007, pelo menos 8.500 brasileiros se mataram — média de um caso para 22.331 pessoas. Já nas carceragens, foram 97 suicídios, em 2007, para uma população prisional de 422.373 detentos — um caso para cada 4.354 presos.

As mortes naturais, como as causadas por doenças, também subiram de 586 em 2006 para 819 em 2008 — alta de 39%. Já os assassinatos caíram 21%: de 336 para 264, o que pode indicar a mudança na forma de agir das quadrilhas. Apenas em janeiro deste ano, cinco presos foram encontrados mortos nas penitenciárias de Alagoas, quase sempre degolados e registrados como suicidas. O estado é o que mais registra óbitos em relação à população carcerária: para cada 198 presos, um morreu em 2008. O caso chamou a atenção das autoridades locais, que constataram a falta de clareza dos dados: o Ministério Público acredita que há um esquadrão da morte em Maceió para “limpar a celas”.

Um dos “suicidas” foi encontrado com um fio de nylon amarrado no pescoço, mas, segundo o Ministério Público, sua morte teria custado R$ 1 mil; valor pago a agentes penitenciários por presos que queriam um acerto de contas.

Em São Paulo, estado com maior população carcerária, presos e seus parentes revelaram que os métodos da matança mudaram. Um dos que está sendo aplicado nas prisões é o chamado “gatorade”: o detento é obrigado a beber uma mistura de água com cocaína até morrer com parada cardiorrespitatória. Também recebem os “kits-suicídio”, compostos por um banco e uma “teresa” (pano que serve como corda).

Além disso, as “mortes naturais” são fruto, muitas vezes, de omissão de socorro de funcionários ou mesmo falta de condições de higiene, principalmente para mulheres, mais suscetíveis às infecções generalizadas. O coordenador nacional da Pastoral Carcerária, padre Gunther Zgubic, confirma que oss números, embora inéditos, estão subestimados e que danão são confiáveis.

SISTEMA EM COLAPSO
Dívidas de drogas é a principal causa

Brasília. As dívidas de drogas são a principal causa dos suicídios forçados nas prisões comandadas por uma facção paulista, inclusive em estados como Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Paraná. Esses débitos e as mortes decorrentes deles teriam aumentado tanto nos últimos anos, que a facção proibiu a venda de crack para presos. O preços das drogas nas prisões chega a ser três vezes maior que nas ruas.

´Muitos ´irmãos´ e ´primos´ têm sido suicidados por causa das dívidas. O crack deixa o viciado sem controle e, por isso, foi proibido já na maioria das unidades. Mas há as dívidas de cocaína, principalmente, e de maconha´, afirma um traficante que falou a reportagem sob condição de anonimato.

O advogado Antonio Everton de Souza, da Comissão de Direitos Humanos da OAB suspeita das chamadas “mortes naturais”. ´Tuberculose e pneumonia não têm socorro e viram mortes naturais. Não há democracia nos porões. Mandam as facções e os chamados agentes do Estado. Não há lei alguma atrás dos muros,´ afirma.

Na hierarquia da facção, os “primos” são aliados fiéis. Os “irmãos” são os comandantes dentro das prisões. As cunhadas são as mulheres e irmãs dos primos e dos irmãos. Os irmãos respondem diretamente à “torre”, que é o comando geral, dentro e fora das prisões, onde toda a hierarquia se reproduz.

´O primo pode traficar, assim como o irmão, mas o controle é rígido. Para cada caso, existe uma solução, sempre dentro da “lei” (decretada pela facção), afirma o traficante.

Para ele e outros entrevistados, inclusive parentes, as mortes não costumam ocorrer mais por estiletadas e sim por falsos suicídios. ´ O sujeito é avisado (que deve morrer), ganha um prazo que a torre dá. Se o infrator é irmão, ele é até julgado, com direito a “advogado” e tudo o mais. Mas não há falha nem brecha, como nas leis de fora da prisão. Quando um camarada sugere o suicídio, ou entrega a garrafa de gatorade ou o kit, está dando a chance do outro morrer com dignidade, sem paulada nem nada, sem sangue. E nunca dá nada para a torre, porque vira suicídio ou morte natural ,´ diz.

Quando o preso é avisado de que “entrou no prazo”, a torre geralmente autoriza os irmãos a torturarem. A principal punição é a perda de dentes. O preso geralmente tenta conseguir um “bonde”, ou seja, uma transferência de prisão. Dificilmente consegue, sem ordem da torre. Em São Paulo, a Secretaria da Administração Penitenciária afirma que não omite dados. “As suspeitas não fazem sentido, uma vez que, para ser realizado, o quadro de óbitos depende dos referidos atestados”, afirma a secretaria.

CEARÁ
Superlotação no IPPS preocupa

Brasília. Condenado a 250 anos por 20 homicídios e preso há 12, Antônio (nome fictício) é testemunha do cotidiano violento do Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS), o maior presídio do Ceará. Ele afirma que a superlotação e o acerto de contas entre fornecedores e usuários de drogas são as principais causas da violência no local.

Segundo ele, há no IPPS cerca de 20 “controladores de rua”. São presos com muito tempo de casa ou maior poder aquisitivo que controlam o tráfico no presídio. A principal droga comercializada é o crack e muitos não têm como pagar.

Ele conta que as brigas e mortes também acontecem quando o controlador de uma rua vai cobrar a dívida de um devedor preso em outra “rua” do presídio, dando início às disputas por território.

De acordo com o preso, que ganhou respeito dos companheiros pela conversão ao Evangelho, as movimentações para os acertos de conta acontecem “altas horas da noite”, depois que os agentes penitenciários se recolhem.

Observa que também ganha status de controlador o preso que, mesmo sem condição financeira, tem contatos com traficantes do lado de fora. ´ O celular é uma arma perigosa para o tráfico´ disse Antônio contando como os presos negociam a droga.

Hoje, Antônio mora em uma das “ruas de crentes” no interior do IPPS, que reúne cerca de 280 presos convertidos e passou a ter o respeito dos outros, mas é testemunha da violência diária que ocorre no presídio nas barbas das autoridades do Estado.

Em outubro do ano passado O IPPS foi interditado parcialmente pelo juiz Roberto Viana Diniz de Freitas que acatou parecer do Ministério Público, que pedia a interdição por causa da superlotação que estava provocando conflitos.