Saiba tudo sobre o Gripen, caça da FAB que fez voo de estreia em Brasília

Segundo o chefe da divisão de Aeronáutica da empresa, Jonas Hejlm, a instalação de uma linha de produção no Brasil virou um trunfo para oferecer o caça a outros países

Escrito por Folhapress ,
Legenda: Gripen
Foto: FAB

O novo caça da FAB (Força Aérea Brasileira), o Gripen, fez seu voo de estreia sobre Brasília nesta sexta-feira (23), Dia do Aviador. O novo modelo irá substituir, até 2026, o venerando caça americano F-5, em operação desde os anos 1970, e o avião de ataque AMX. O Gripen, chamado de F-39 no Brasil, tem a matrícula FAB4100 e voou em agosto de 2019. Chegou ao país de navio em setembro.

A exibição em Brasília é um marco na longa novela de aquisição de novas aeronaves de combate, e tem um significado particular para a fabricante do caça, a sueca Saab (pronuncia-se "soób").

Segundo o chefe da divisão de Aeronáutica da empresa, Jonas Hejlm, a instalação de uma linha de produção no Brasil virou um trunfo para oferecer o caça a outros países.

A expectativa é que 15 dos 36 caças –comprados em 2014 por 39,3 bilhões de coroas suecas (cerca de R$ 25 bilhões em valores de hoje)– sejam montados na unidade da Embraer em Gavião Peixoto (SP).

A Saab disputa concorrências no Canadá (88 aviões) e na Finlândia (64 unidades) e está de olho na reabertura de uma licitação colombiana.

Outro mercado de extremo interesse é o indiano, e aqui a experiência de transferência de tecnologia no Brasil é um ponto de venda. "Não fizemos isso em nenhum lugar do mundo, nem no acordo com a África do Sul", diz Hejlm, sobre a venda de 24 Gripen para o país africano.

A Índia já preteriu o Gripen e outros quatro concorrentes em 2014, quando comprou 36 Dassault Rafale franceses. Dona de uma Força Aérea enorme, Nova Déli está sondando a compra de mais 114 caças.

Importância da fabricação nacional dos caças
A fabricação nacional era exigência da FAB, que visava capacitar sua área de pesquisa tecnológica e a indústria brasileira. A Embraer, por seu tamanho e especialização, é a principal parceira, ao lado de firmas como Atech e AEL.

Engenheiros e técnicos brasileiros, 350 ao todo, estão sendo treinados na Suécia. A Saab abriu uma fábrica de peças da fuselagem do Gripen em São Bernardo do Campo (SP) que já está em operação.

O centro da cooperação é o Gripen F, modelo de dois lugares da terceira geração do caça, que surgiu no fim dos anos 1980 e entrou em operação em 1996. É considerado um dos aviões com mais tecnologia embarcada a custo acessível.

O modelo está sendo desenhado em conjunto com os brasileiros, e é um avião estruturalmente bastante diferente, apesar de parecido por fora. "O projeto está indo muito melhor do que eu previa."

Oito dos caças comprados pelo Brasil serão deste modelo; os restantes serão o monoposto E, igual ao que voou nesta sexta em Brasília.

Hjelm afirma não estar preocupado com o risco de interrupção de pagamentos por parte do governo brasileiro. Cortes mais profundos em 2014 e 2015 atrasaram o cronograma não só do Gripen, que deveria estar com todas as unidades entregues em 2024, mas também do cargueiro C-390, da Embraer.

"Estamos preparados para discutir qualquer questão", diz. O ministro Fernando Azevedo (Defesa) vem fazendo lobby para tentar garantir o financiamento dos ditos programas estratégicos.

O Gripen será pago em 25 anos a partir da entrega do último avião, mas é necessário um gasto anual próximo de R$ 1 bilhão, creditado como adiantamento do empréstimo feito pelo governo sueco, para manter a produção.

Neste ano, a previsão é de que sejam alcançados talvez 70% do previsto. Hjelm diz que o programa "está nos trilhos". A entrega dos primeiros modelos E para operação está prevista para o fim de 2021.

Um outro problema no horizonte é o impacto da pandemia. A indústria aeronáutica militar é muito diferente da civil, que sofreu um tombo histórico com a queda de demanda de novos aviões pela redução de viagens mundo afora.

"Nós temos muito material bruto estocado, mas é preciso ver como será o impacto nas cadeias globais de produção", afirma Hjelm.

Neste particular, ao menos, a disputa geopolítica entre EUA e China não deve surtir efeito. O Gripen não leva componentes ou matéria-prima chinesa, enquanto é uma colcha de retalhos de produtos ocidentais: o motor é americano, o radar é italiano, em breve boa parte da fuselagem será brasileira –há 68 fornecedores de suas partes.

Já no caso de uma crise política com os EUA, o Brasil teria problemas para manter seus aviões no ar e certamente não poderia sonhar em exportá-los. Por outro lado, a construção conjunta permite a autonomia do que é mais importante: a capacidade de desenhar e integrar sistemas."

No Brasil, além de testes de voo, serão feitos os ensaios de integração de armas nacionais ao Gripen. Os mísseis usados pela Força Aérea da Suécia e outras Aeronáuticas europeias já foram testados no novo avião, mas exatamente quais modelos serão comprados pelo Brasil é um segredo militar.

O país opera seus próprios armamentos, como o míssil A-Darter, feito em conjunto com a África do Sul.

Hjelm não especula, mas é público que a FAB gostaria de ter mais de 120 aviões em seu inventário. "Temos de nos concentrar em entregar o produto conforme o contrato", afirma, ressalvando que se o Brasil tiver interesses em mais aviões, talvez "não deva esperar 20 anos para decidir".

Num horizonte hipotético também está a parceria para a produção de novos modelos, como drones, mas Hjelm também é conservador e afirma que o foco está no projeto do Gripen E/F.

PROCESSO DE COMPRA SE ARRASTOU POR 3 GOVERNOS
No dia 20 de setembro, foi retirado do porão de um navio em Navegantes (SC) o primeiro caça Gripen que irá equipar a FAB. Quatro dias depois, ele levantou voo para Gavião Peixoto, onde passará por cerca de um ano de testes.

O avião voou pela primeira vez na Suécia, onde é fabricado pela Saab, em agosto de 2019. Aqui, recebeu a denominação F-39E (modelo de um assento, enquanto o F tem dois). Foi o fim de uma longa novela para a aquisição de aviões de combate para substituir a frota de antigos F-5 americanos em ação desde os anos 1970. Ela se arrastou por três governos, sendo decidida por Dilma Rousseff (PT) em 2013.

O ministro da Defesa, Fernando Azevedo, já disse que o país perdeu mais de dez anos na área com os atrasos, e que nunca se sabe quando o país precisará se defender. Críticos da compra apontam para os altos custos em um país com poucas demandas de defesa.

Houve todo tipo de polêmica no processo, como a escolha por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) do francês Rafale, rejeitada pela FAB, e a espionagem americana sobre Dilma, que matou as chances da Boeing e seu F/A-18.

O Gripen havia sido oferecido numa geração anterior em 2001, mas o avião era criticado por sua baixa autonomia. Na segunda competição, foi apresentado uma nova geração, com 40% a mais de capacidade de combustível. Sua grande vantagem era permitir o desenvolvimento em conjunto com a FAB e empresas brasileiras, enquanto os outros competidores eram produtos prontos. O Gripen também é mais barato de operar.

O modelo de dois lugares, oito ao todo, está sendo desenvolvido em conjunto entre Saab, Embraer, Akaer e outras empresa nacionais.

As entregas ocorrerão de 2021 a 2026, se o cronograma não atrasar novamente devido a problemas orçamentários. A compra foi financiada em 25 anos e totalizou o equivalente a R$ 24,7 bilhões. A FAB sonha em ter uma frota de cerca de 120 caças e exportar a partir do Brasil, o que é duvidoso neste momento.

Até hoje, foram feitos 271 Gripen. As gerações A/B e C/D estão em operação em seis países. Além do Brasil, a Suécia já encomendou 60 unidades do modelo E/F.

PONTO FORTE É USO INTENSIVO DE TECNOLOGIA
O Saab Gripen é um avião pequeno e monomotor. Carrega uma carga bélica menor do que seus concorrentes, mas tem um trunfo: a tecnologia. É um dos aviões mais digitais, por assim dizer, no mercado.

Sua série E/F foi desenvolvida para atuar contra os poderosos sistemas antiaéreos russos e os caças pesados Sukhoi, que têm performance teoricamente superior.

Para tanto, tem tecnologia embarcada que visa esconder o avião de radares e sensores por meio de bloqueadores eletrônicos e equipamentos que "duplicam" sua imagem nas telas inimigas. Voando em formação, os caças podem agir em conjunto, com um deles alimentando o outro com dados de radar, enquanto o segundo usa sensores infravermelhos e um terceiro, o bloqueador de sinais.

Isso dificulta a detecção, apesar de não ser um avião com características furtivas.

Para a FAB e sua ausência de ameaças imediatas para lidar, mais importante ainda foi o acesso à transferência tecnológica para seu departamento de ciência e tecnologia e para as empresas brasileiras no projeto. Ao fim do programa, o Brasil estará em tese capacitado a montar seus próprios caças supersônicos.

ESCOLHA TEVE PONTOS QUESTIONADOS NA JUSTIÇA
A escolha do Gripen não passou incólume pelo noticiário policial associado à política no Brasil. O Ministério Público Federal questionou a seleção da AEL, empresa gaúcha controlada pela israelense Elbit que tem membros ligados à FAB, para fornecer um novo painel no cockpit do avião. Estima-se que o negócio ficou até R$ 1 bilhão mais caro devido à escolha, mas não foram encontradas irregularidades.

A tela panorâmica foi vista com desconfiança na Suécia, que usava um arranjo com três displays nos seus Gripen.

Outro questionamento é feito em uma ação penal contra o ex-presidente Lula, que segundo o Ministério Público fez lobby para a compra dos caças. A ação questiona outras ações do petista e não implica a Saab em quaisquer irregularidades. Ela está parada na Justiça em Brasília.