A legislação falha e permissiva no que tange ao mundo digital e a intolerância crescente na sociedade abre espaço para a ocorrência cada vez maior de crimes de ódio e abuso na Internet. Sob máscaras e disfarces de perfis falsos que, erradamente, dão sensação de segurança, os agressores praticam toda sorte de violação no ambiente "online" e, muitas vezes, ficam incólumes no domínio físico.
No ano passado, mostram dados da Polícia Federal, do Ministério dos Direitos Humanos e da Safernet, ONG especializada em segurança na web, que houve em torno de 115 mil denúncias de crimes digitais registradas no País. Racismo, exposição íntima, pornografia infantil e incitação à violência estão entre as principais queixas, mas o rol de perigos é bem mais vasto.
Alguns casos ganharam destaque, nos últimos tempos, principalmente por envolver celebridades e figuras públicas brasileiras que foram alvos de racismo, misoginia ou homofobia nas redes sociais. Esses exemplos envolvendo pessoas famosas foram importantes, na medida em que difundiram as discussões acerca da evidente necessidade de fiscalizar e punir exemplarmente as ofensas, muitas das quais extremistas e bestiais. No entanto, passado o calor dos episódios, logo os holofotes se apagam. Os incidentes que ferem cidadãos anônimos, todavia, continuam, sem que haja repercussão.
Os crimes digitais crescem exponencialmente, na esteira da impunidade e do acirramento das relações na Internet. A intolerância nas redes sociais tem sido motivo para preocupação, e especialistas apontam que são necessárias políticas públicas que pensem especificamente na educação digital, já a partir das escolas.
É preciso, desde cedo, a compreensão de que o eu digital e o eu físico são o mesmo, cabendo ao indivíduo responsabilidades e deveres em quaisquer dessas esferas. Os adolescentes são comumente vítimas do chamado "cyberbullying", situação que mostra o quão prematuramente começam as agressões na web. Conter o problema nessa fase pode significar a formação de adultos mais conscientes quanto a respeitar os pares no ambiente virtual.
As mulheres também estão no centro da questão, quando têm a intimidade exposta na Internet e também quando são vítimas de assédio e discriminação nas páginas e aplicativos virtuais. A denúncia é um ponto de partida fundamental para que os algozes sejam punidos, mas, ao mesmo tempo, é comum que a vítima deixe de buscar as vias jurídicas para evitar constrangimentos e mais desgaste emocional.
A mira dos agressores também se volta normalmente às minorias. Racismo, xenofobia e homofobia, assim como ocorrem no mundo real, contaminam também a atmosfera da Internet e merecem atenção das autoridades.
Paira a sensação de que falta discernimento de que um crime cometido na Internet ainda é um crime. Nesse sentido, é preciso que a lei seja aplicada. O Direito brasileiro precisa se modernizar diante do aumento veloz da hostilidade online. Defende-se a criação de leis mais específicas para cada tipo de delito digital. Ademais, mesmo com a vigência de uma legislação mais eficaz, os desafios são hercúleos. O monitoramento e a investigação de tantos crimes é praticamente impossível. Por isso, é importante a questão preventiva por meio da educação, a qual jamais eliminará o problema, mas tem grande potencial para reduzi-lo.