Os jardineiros de Brasília

Brasília fica muito mais colorida nesta época do ano. São os ipês florando na seca. Muita gente pensa que Burle Marx é o pai do verde de Brasília. A maioria desconhece que foram três cearenses que arborizaram a capital federal, que criaram os pulmões que ajudam o brasiliense a respirar. Roberto Burle Marx, formado no exterior, deixou em Brasília a marca de sua genialidade, mas o verde de Brasília tem outros pais, outra história.

Falo das árvores plantadas ao longo dos eixos, nas superquadras, das flores dos balões rotativos. Tudo começou com Stênio Bastos, cearense de Mondubim, como Ary Cunha, seu grande amigo. Sua missão, em 1962, quando trocou a Fundação Zoobotânica pela Chefia da Divisão de Parques e Jardins, era plantar.

Esse engenheiro agrônomo mandou trazer para Brasília todo tipo de árvores. As mudas chegavam de todas as partes, de todos os países e Stênio ia plantando, testando quais as que se adaptariam ao cerrado. As mudas foram sendo fincadas entre as árvores retorcidas. E até árvores frutíferas ganharam espaço. Umas morriam, outras apodreciam e tinha até as que não cresciam.

Com cuidado, carinho, elas foram brotando, se adaptando, dando sombra, frutos. E foram chegando os pássaros, a cidade foi mudando e ficou mais colorida, mais alegre.

O ajudante de Stênio era outro agrônomo cearense, Ozanam Coelho, filho de Barbalha, primo de Edilmar Norões. Chegou em 1959 e encontrou poucas árvores retorcidas e muita poeira. Não entendia de plantas, mas aprendeu tudo com o conterrâneo Stênio Bastos, o primeiro responsável pelos jardins da cidade.

De assistentes a diretor, Ozanam deixou sua marca nos espaços concebidos pelo urbanista Lúcio Costa que queria Brasília uma cidade-parque. E foram surgindo os canteiros de flores, ipês, flamboyants, sapucaias, quaresmeiras e muitas espécies de árvores.

À frente de uma equipe de dez profissionais, Ozanam pesquisou o cerrado em 1970, selecionando as espécies que vieram a se adaptar ao clima e ao solo. São os ipês roxos, brancos e amarelos que hoje enfeitam Brasília. Ele plantou três milhões das atuais 4 milhões de árvores que dão sombra à cidade. Foi ele quem plantou 40 milhões dos 50 milhões de metros quadrados de gramados que escondem o amarelo do chão do Planalto Central. Foi Ozanam quem projetou os mil jardins que enfeitam o Centro de Brasília. Toda a sua experiência está contada no livro Árvores de Brasília.

O terceiro cearense que deixou seu nome ligado à história do verde de Brasília é o engenheiro agrônomo Guarany de Lavor. Filho de Itapipoca, ele foi contratado nos anos 70 por Stênio Bastos. Estava com 65 anos quando se envolveu com os jardins da cidade. Só permitia o corte de uma árvore quando não havia mais jeito.

Em maio de 1992, um homem atacou a machadadas o buriti solitário que dá nome à praça que fica em frente ao Palácio da Justiça e ao Palácio sede do Governo do Distrito Federal, que tem o nome da árvore.

A planta estava morrendo e não daria tempo chegar o cientista estrangeiro contratado para salvá-la. Na ausência do especialista em recuperar árvores, chamaram o Dr. Guarany.

E foi com uma composição de barro de louça, usado para fazer estátuas, e esterco de gado que ele salvou o buriti numa operação que foi acompanhada pela população que temia pelo destino daquele único símbolo vivo da cidade. O buriti balança hoje suas palhas diante do olhar curioso dos visitantes da praça.

O que impressiona é que foram esses três agrônomos, saídos do árido Ceará, sem a menor experiência em jardinagem, transplante de árvores, migração de planta de uma região para outra, que transformavam a descampada Brasília num florido jardim.

Não tinham a formação internacional de Burle Marx, paisagista, gravurista, designer, pintor músico, mas mostraram a força de sua sensibilidade. Pesquisaram, estudaram, foram competentes.

Ozanam e Guarany, assim como Stênio, nunca gostaram do título de doutor nem de engenheiro agrônomo. Preferem ser chamados de jardineiros. Os jardineiros que encheram Brasília de árvore e de vida.