Editorial: Os pesos emocionais

De par a par, em todo o mundo, a Covid-19 impôs um falso dilema. De um lado se abria a vereda da morte e da disseminação da doença, que qualquer governo cioso de seus deveres com os cidadãos não poderia aceitar como uma possibilidade de escolha. A alternativa única, portanto, era a da adoção de ações preventivas, capazes de minimizar o número de casos e de mortes. Havia, contudo, um preço a ser pago, não tanto quanto o de ver se multiplicarem, descontroladamente, os casos e os óbitos e, por isso mesmo, sem permitir hesitação.

O custo mais evidente, e também o mais facilmente quantificável, é o econômico - tanto pelos gastos diretos emergenciais no reforço à saúde feitos por União, estados e municípios, quanto pelo severo impacto no setor produtivo, causa do fechamento de empresas e do crescente desemprego. Há, contudo, muitos outros, uns silenciosos e ainda aqueles que se farão sentir com o tempo. O desgaste emocional do isolamento e da quarentena é partilhado por todos que podem cumprir estas medidas e as respeitam; e é fardo para quem já enfrenta problemas de ordem psicológica e psiquiátrica.

Um levantamento nacional, feito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) mostrou que casos de depressão aumentaram consideravelmente. O acréscimo foi de 90%, no intervalo de pouco menos de um mês, no contexto das medidas de isolamento social para conter o contágio da Covid-19. Também cresceram os casos de pessoas com estresse agudo e os casos de crise aguda grave de ansiedade.

Um novo cotidiano acossado por incertezas, a impossibilidade de se ter mais contatos sociais presenciais, a distância de familiares, amores e amigos e um excesso de más notícias - infelizmente, radicalmente ancoradas na dura realidade da pandemia. Todos esses fatores catalisaram o sofrimento emocional, agravaram casos e contribuíram para novos.

O reflexo emocional da crise não é exatamente inesperado. Está alinhado ao que é uma regra dos tempos de tensões elevadas, dos momentos de exceção, como nas guerras. A crise sanitária sem precedentes, tendo no centro uma doença altamente contagiosa, potencialmente letal para parte das pessoas infectadas e ainda largamente desconhecida; e, na outra vereda, mas com um preço alto, que vai desde o aumento de problemas de ordem emocional, por conta do necessário distanciamento social, até a severa crise econômica e, por consequência, social.

Contudo, o problema está longe de ser simples e não pode ser ignorado. Ao contrário: requer cuidados, e sem demora. São importantes o autocuidado e a atenção do outro. Por vezes, tais males não são superados com soluções caseiras, ainda que o afeto consigo e com o próximo seja sempre oportuno. O acompanhamento especializado se faz necessário.

Os efeitos desse período não desaparecerão sem deixar rastros, nem sumirão imediatamente com a flexibilização ou mesmo com a retomada das atividades cotidianas. Daí a importância de um enfrentamento continuado, que passa por derrubar tabus em relação à saúde mental, de políticas amplas de saúde pública e da empatia que tem se mostrado cada dia mais essencial para a sociedade.


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