Editorial: Futebol sem álcool

Aguarda votação na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará um projeto de lei de espírito passadista. E não se trata de simples metáfora - a PL 85/2019 propõe o retorno da autorização do comércio e do consumo de bebidas alcoólicas em estádios e arenas desportivas cearenses. O texto se refere a produtos com teor alcoólico igual ou inferior a 10%.

O Ceará, como o resto do Brasil, já viveu essa realidade e se hoje as bebidas alcoólicas são proibidas nas arquibancadas há razões para tais e estas não devem ser esquecidas. A restrição nada tem de moralista, nem se pauta por razões econômicas ou na defesa de interesses de grupos sectários. É um investimento num bem maior da sociedade, ao reconhecer o papel significativo que as substâncias alcoólicas podem desempenhar em conflitos violentos e atos de vandalismo, praticado por alguns torcedores de estádios e arenas.

Não foram poucas as vezes que, em seu palco, o futebol viu a cena ser roubada pela violência nas arquibancadas e em seu entorno, ameaçando mesmo aqueles que delas não tomaram parte. São comportamentos extremos e inaceitáveis, que requerem ações e medidas coordenadas, nas mais diversas frentes, para contê-los e minimizar seus prejuízos, em vidas e para o patrimônio.

Propostas de mudanças na legislação vigente para permitir a volta de bebidas alcoólicas aos estádios já rondam a Assembleia Legislativa há algum tempo. Elas se inscrevem numa tendência de criação de leis locais, que autorizam sua venda e consumo em espaços dedicados ao esporte, tentando driblar normatizações anteriores que vetavam a circulação destas substâncias nas arenas e nos estádios.

Está em vigor, desde 2003, o Estatuto do Torcedor (Lei 10.671/2003), que estabelece normas de proteção e defesa de quem frequenta estádios de futebol. Essa lei federal vetou "bebidas ou substâncias proibidas" nos estádios. O artigo 13 do Estatuto é claro - "são condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei: não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar possibilidade a prática de atos de violência".

Cinco anos depois, a CBF celebrou um protocolo de intenções com o Conselho Nacional de Procuradores Gerais, resultando em uma resolução que proibia o comércio de bebidas em competições oficiais. Há uma lei municipal, de Fortaleza, de 2009, que proíbe, em dias de jogos, o consumo e a comercialização de bebida alcoólica num raio de 100 metros dos estádios. Ambas dispõem do tema pensando no melhor para a segurança do público dos espaços esportivos.

Em defesa da PL, há quem cite as falhas na fiscalização do entorno de arenas e estádios, onde o acesso a bebidas ainda é facilitado; e o consumo irregular nas arquibancadas. Contudo, não é razoável se abolir qualquer lei por conta de falhas em sua aplicação. É preciso chamar à responsabilidade aqueles que devem fazê-la valer na prática.

O álcool tem a capacidade de catalisar animosidades e já provou sua capacidade de contribuir para a violência nos estádios. Permitir isso, é fazer vistas grossas à uma situação que carece, não da liberação de bebidas, mas de mais ordenamento e fiscalização.


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