Normalidade aparente

Praias repletas de pessoas são uma cena familiar em julho, mês de férias escolares e tradicional período de alta estação turística. O mês neste 2020, contudo, é atípico, como tem sido todo este ano, de cotidiano extraordinário e de novos hábitos condicionados pela ameaça da Covid-19.

Ainda assim, como se viu no último fim de semana, a orla da Capital viveu dias de "normalidade" A normalidade que registro fotográfico documentou é apenas aparente, afinal, só foi possível ignorando-se o risco ainda patente da doença.

A imagem provocou consternação e, no dia, o episódio foi alvo de ação da Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis), atenta a ações de comércio e serviços ainda vetados. Contudo, as razões do fenômeno exigem atenção, para que qualquer ação mais extensiva seja possível.

Não é descabido o sentimento comum de querer voltar à normalidade, de ter acesso a espaços e atividades de lazer e entretenimento, como era possível até o começo de março deste ano. Integra o desejo coletivo da superação de tempos excepcionais, marcados por limitações, por perdas e pelo medo do que, em larga medida, ainda é desconhecido.

A temporada de isolamento mais restrito, incluindo as semanas sob lockdown, foi imprescindível para conter a onda de contágio, contribuindo para a desaceleração do crescimento de casos e de mortes pela Covid-19. A medida foi acertada e, mais do que isso, a ela não cabiam alternativas mais brandas, capazes de serem igualmente eficientes. As inevitáveis consequências econômicas foram justificadas pelos ganhos em saúde da população e necessária ao restabelecimento abreviado das atividades.

No entanto, há de se reconhecer, o período cobrou um preço, emocional e psicológico, da população. Uma das certezas imediatas que se teve quando a pandemia avançou foi a de que o mundo se veria, também, diante de uma crise de saúde mental e emocional. O problema não pode ser negligenciado. Tem consequências pessoais e sociais.

É importante que as autoridades se antecipem a essas disposições da população. O fenômeno tem se repetido em todo o mundo e, por isso, tem certo grau de previsibilidade. Há exemplos a serem observados do que aconteceu e de como outros países e estados responderam a episódios do tipo. Sabe-se, de antemão, que ordenamento e fiscalização são imperativos. Deles não se pode prescindir, ainda que os indicativos globais do Estado tenham melhorado.

O caso exige estratégias e ações em diversas frentes. Há discussões sobre a legitimidade e a exequibilidade da aplicação de multas em quem desrespeita as regras determinadas pelos decretos governamentais. Nas imagens do último domingo, as máscaras são adereços ausentes da cena. Não deveriam sê-lo. É fundamental que se avance na promoção da informação e de campanhas educativas da população. Ações que precisam ser constantemente avaliadas, para que se possa medir sua eficiência.

A saída é a do diálogo e da conscientização. É preciso compreender o comportamento da população, de forma a melhor se comunicar com ela. O interesse é de todos: dos que cedem a tentação da normalidade aparente e daqueles que sabem que ela, ainda, não é possível.