Editorial: Uma tarefa difícil

Depois de um ano de renovadas promessas e de difíceis entendimentos com as lideranças do Parlamento, o Governo Federal entregou a sua proposta de reforma tributária. O Planalto enfrenta, agora, a reação de deputados e senadores, principalmente daqueles que já se ergueram contra a ideia de criação de um imposto a ser cobrado sobre as transações financeiras feitas por meio digital - como os pagamentos por cartões de crédito e débito.

O Brasil tem, provavelmente, o mais complicado modelo tributário do mundo. São mais de 50 impostos, contribuições, taxas e emolumentos que pesam sobre o contribuinte. As grandes empresas - diante dessa mixórdia - foram obrigadas a criar verdadeiros departamentos de planejamento tributário, cuja missão diária é acompanhar o Diário Oficial da União, dos estados e dos municípios, onde se publicam novas leis, portarias e resoluções, todas com modificações frequentes da legislação sobre tributos. No Chile, para fins de comparação, basta um funcionário para semelhante tarefa, tão simples é o sistema tributário de lá.

Deseja o Ministério da Economia, a um só tempo, a simplificação do atual modelo e a redução - ou a extinção pura e simples - de extensa lista de isenções fiscais concedidas, ao longo dos últimos 50 anos, a diferentes setores da atividade econômica, a industrial destacadamente. Essa renúncia fiscal, da ordem de R$ 320 bilhões, é muito difícil de ser removida, pois por trás dela há poderosos interesses que, em sua defesa, mobilizam lobbies nas áreas da aciaria, automobilística, eletroeletrônica, química e marinha mercante.

Mas, no regime democrático, é a política que faz ou deixa de fazer os arranjos institucionais que encaminham as soluções para os mais intricados problemas. Neste momento, o Executivo tenta convencer os parlamentares de que, no mundo de hoje, as transações financeiras - principalmente os pagamentos - são realizadas digitalmente e sem qualquer tributo incidente sobre elas.

Durante a campanha que o elegeu, o presidente Bolsonaro prometeu que não haveria qualquer aumento da carga tributária. Nesta pegada, o Ministério da Economia tenta uma saída que troque a extinção de alguns tributos - como o PIS e a Cofins para a desoneração da folha de pagamento do pessoal das empresas - pela criação de um só, exatamente o que taxa os novos meios de pagamento. Contudo, os cálculos até aqui feitos por diversos tributaristas indicam que esse câmbio resultará, sim, na elevação da carga.

A solução está longe de ser simples, pois o próprio cenário nacional não o é. Com um rombo orçamentário que, no fim deste ano, poderá ultrapassar a casa dos R$ 800 bilhões, a União tem urgente necessidade de reequilibrar as suas contas. Para tal, as alternativas parecem ser ou a de reduzir os seus já comprimidos gastos, retraindo os investimentos na educação, na saúde, na infraestrutura e na segurança pública, ou de criar o novo imposto. Essa saída, aparentemente, é a mais fácil de ser tomada. E seria, não fosse 2020 um ano eleitoral, que torna uma medida impopular ainda mais difícil de ser adotada.

Consertar o Brasil é um ofício que exige paciência, convergência, engenho, arte e habilidade, atributos raros, mas necessários a todas as lideranças políticas.


Assuntos Relacionados