Editorial: Sonhos e medidas

Para que se conheça, de fato, as circunstâncias que levaram ao incêndio do Casarão dos Fabricantes, muitas questões precisam ser respondidas. O que não mudará de imediato - sejam quais forem as respostas das autoridades responsáveis por investigar o episódio - é condição trágica a que foram relegados muitos comerciantes que perderam tudo para o fogo.

O susto, a tristeza e o desespero de princípio não foram suficientes para sufocar a esperança e a resiliência, daqueles que desde a primeira hora falaram em reconstrução.

De pronto, o que se pode dizer é que cada um dos negociantes que dali tiravam seu sustento foi atingido por um infortúnio que ameaça sua subsistência. As histórias que chegam são de gente trabalhadora que, com esforço, conquistou seu lugar; perseverantes diante de um ano singular, desafiante para os negócios e para a sociedade. Demandam assistência adequada e ágil por parte das instituições públicas e do espírito solidário de seus concidadãos. O processo de refazer-se é, inevitavelmente, árduo e, portanto, não precisa de mais adversidades, sejam entraves burocráticos ou falta de sensibilidade.

Outra questão que se coloca, desde o primeiro momento, é o do prejuízo para a memória de Fortaleza. Memória que, como se sabe, não é estanque, acumulando novas vivências, sem necessariamente apagar o que se viveu. Como persistia até o sábado, quando as chamas o consumiram quase totalmente, o Casarão tinha histórias próprias, tecidas no encontro de seus frequentadores e daqueles que ali trabalhavam.

Mas a memória do local tem raízes ainda mais remotas. Construída em estilo neoclássico, o casarão foi erguido ainda no período colonial, na década de 1830, por Joaquim Inácio da Costa Miranda. Há uma corrente de pesquisadores que o faz quase 100 anos mais velho, com construção na década de 1920, por Plácido Carvalho. Numa Fortaleza bucólica, a edificação despontava às margens do riacho Pajeú. Sobreviveu a ele, que hoje persiste como uma sombra do que já foi. Depois de ter servido de residência, foi transformado em hospedaria - o Hotel Avenida -, serviu de primeira sede do Banco do Nordeste (BNB), além de ter abrigado a Prefeitura de Fortaleza e a Câmara de Vereadores da Capital.

Apesar do relevo histórico, o casarão não é tombado, como patrimônio histórico da cidade. Seria algo surpreendente, não fosse destino comum a muitas edificações de Fortaleza, testemunhos arquitetônicos de outras épocas, que não gozam de tal reconhecimento. Por si só, o processo não garante a conservação e o uso consciente de tais construções, mas é um passo importante, pois reconhece assim, publicamente e segundo critérios objetivos, a importância daquele espaço para a memória e para a história da cidade.

O triste episódio que iluminou com fogo a noite de sábado faz necessário lembrar, sempre, da necessidade de assumir um compromisso cidadão com as pessoas que fazem o presente e com aquilo que de melhor mantivemos do passado. Que as reconstruções, de sonhos, projetos de vidas e também do lugar da memória, sejam oportunizadas sem demora, de forma afirmativa e eficiente, para o bem das famílias atingidas e de toda a sociedade.


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