Editorial: Resistir para existir

Não se pode dizer que a semana terminou como sempre acontece com o fim do Carnaval. Mesmo “encurtada”, após quatro dias de folia, ela foi agitada pela persistência do impasse da segurança pública, no Estado; e pela chegada da temida nova variante de coronavírus ao Brasil, e de uma multiplicação de casos suspeitos, incluindo no Ceará. No meio de tudo isso, uma boa notícia teve repercussão menor do que merecia: a sinalização de que, após quase 6 anos fechada, a Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel abrirá novamente suas portas. O equipamento é o mais antigo do Estado, com mais de 150 anos de história.

Tratado agora, nos meios oficiais, como Biblioteca Estadual do Ceará, o equipamento terá uma gestão partilhada, em duas frentes, sendo dirigida pela bibliotecária Enide Vidal; e contando com a antropóloga Glória Diógenes à frente da Superintendência de Ação Cultural, Educativa e Conhecimento do espaço. O anúncio da equipe diretora da casa prenuncia sua reabertura para um ainda vago “primeiro semestre”, mas inequivocamente mais assertivo dos que os anos em que o futuro da biblioteca era apenas de desejo e incógnita. 

Reaberta, a Biblioteca Estadual do Ceará deverá concretizar projeto antigo, há muito acalentado por gestões da Secretaria da Cultura do Estado (Secult-CE), de vê-la integrada arquitetonicamente ao Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC), seu vizinho há duas décadas. A passagem de um ao outro é potencialmente vantajosa para os dois equipamentos públicos: a biblioteca, que pode receber um maior afluxo de visitantes, já interessados em programações, ações e acervos artístico-culturais; e o CDMAC ganha a aproximação das atividades relacionadas ao livro, à leitura e à literatura. Ademais, por ora, há vocações complementares: diurna/vespertina de um; e vespertina/noturna de outro. 

A reinauguração da antiga Menezes Pimentel, com nova proposta de interação com o público, é inegavelmente positiva para aquela área de Fortaleza, ponte entre os bairros Centro e Praia de Iracema, de reconhecida vocação cultural. A notícia chega em momento oportuno, pois digna de inspirar, mais uma vez, o debate sobre a ocupação do lugar e as condições necessárias para que empreendimentos culturais e artísticos consigam se manter ali. 

Na mesma semana que se falou da volta da Biblioteca, ouviu-se sobre as incertezas do Teatro da Praia. Não é a primeira vez que a casa, com quase três décadas de história, se vê diante de um futuro nebuloso. Outros vizinhos, de igual espírito criativo, chegaram depois do teatro e já se foram. Bares, casas de shows, galerias, ateliês e outros teatros. É evidente que cada espaço destes tem um histórico de administração, e que avaliar sua permanência deve levar em conta isso. Contudo, o fenômeno coletivo é concreto e inegável. Não deve ser ignorado pelas secretarias da Cultura do Município e do Estado. 

As cidades precisam de espaços culturais, em qualquer tempo, pois propiciam o encontro pessoal e pela leitura. Por meio dela, é possível a experiência de se compreender o outro, o diferente. Sua necessidade é ainda mais evidente em tempos de conflito, quando a solidariedade e o senso de empatia se fazem fundamentais.