Editorial: Problema potencializado

Na capital cearense, a chuva é uma visitante contraditória. Enquanto no interior, por conta da agricultura, as precipitações são comemoradas, como o sinal do que fato são – fartura, na metrópole ela é vista positivamente, em solidariedade ao campo, e por abrandar o calor permanente da cidade ensolarada. Contudo, não passam despercebidos os incômodos e transtornos. O ir e vir dificultado, ou impedido, é um deles, que interfere na vida de praticamente todos que moram ou precisam estar em Fortaleza. Contudo, nem de longe, é o único. A chuva potencializa problemas, que existem a despeito dela, mas que tornam-se, inegavelmente, mais nocivos por conta dela. É o caso do lixo.

A produção e descarte de resíduos sólidos é um problema de escala mundial, do qual se ocupam – ou deveriam se ocupar – todas as nações do Planeta. Por conta das altas concentrações populacionais e do estilo de vida das pessoas que as habitam as grandes cidades têm, aí, um desafio permanente e crescente, de primeira ordem e um imperativo de adotar, urgentemente, medidas de controle e manejo. De acordo com Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), 99% de todos produtos comprados no mundo são jogados fora em até seis meses.

O problema vai muito além da quantidade de lixo produzida. O manejo adequado é um desafio às administrações das metrópoles brasileiras, e Fortaleza não é uma exceção. Coletas mantidas pelo Poder Público ou, quando privadas, por ele exigidas são apenas uma das partes da equação. Esta variável, inclusive, é a que mais facilmente pode ser mensurada – etapa inicial e indispensável para qualquer mudança necessária.

Mais complexa é a parte do problema decorrente de uma cultura que toma o público por privado. Pior: quando se toma o que é público – portanto, de todos – como terra sem donos e, por isso, autorizada a ser violada e desrespeitada. É quando se ignora o princípio básico da vida em sociedade, do respeito pelo outro. Não pode ser descrito de outra forma o descarte irresponsável de resíduos sólidos em logradouros públicos.

Os feios amontoados de lixo, de proporções diversas, que se fazem presentes em toda sorte de espaço, são também ameaçadores para a saúde pública. Ao se descartar de forma inapropriada, em canteiros, por exemplo, ou formando rampas nas calçadas de terrenos ou edificações desocupadas, as pessoas tornam a coleta mais difícil de ser realizada. As consequências são sentidas pela própria comunidade. 

Lixo nas ruas favorece a proliferação de moscas, mosquitos, baratas e ratos – vetores de doença. A chuva arrasta essa massa heterogênea de resíduos, e os males nela gestados. Há outro problema decorrente deste encontro: a obstrução de bueiros, que dificulta o escoamento das águas, potencializando pontos de alagamento, que levam para dentro de residências, condomínios – residenciais e comerciais – e prédios públicos e privados o que foi descartado de maneira inapropriada nas vias públicas.
Superar essas mazelas depende da consciência do cidadão, duplamente: fazendo a parte que lhe cabe e exigindo que o poder público faça a sua. O retorno se faz sentir no bem maior de uma comunidade: a saúde pública.


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