Editorial: Horizonte do consumo

Por mais que haja uma corrente de medidas com potencial para socorrer o bolso dos brasileiros, em especial aqueles de menor faixa de renda - o dinheiro do auxílio emergencial e dos saques do FGTS como principais exemplos -, é ainda bastante duvidoso que o consumo se apresente como uma força propulsora da economia no horizonte próximo, tamanho o impacto da pandemia não só nas finanças de grande parte da população, mas também em aspectos subjetivos.

Estes meses de crise sanitária, para além do devastador efeito na economia mundial, impeliram mudanças importantes no modo de pensar e agir. Situações de tamanha singularidade, com forte e rápida ruptura de uma estrutura social que até então acreditava-se sólida, tendem a causar relevantes mudanças no pensamento coletivo. No caso específico da pandemia, deve haver uma maior ativação da busca por saúde, segurança, ao mesmo tempo em que há a possibilidade de que mais pessoas procurem um estilo de vida mais reservado.

Estes fenômenos devem imprimir um novo ritmo ao consumo, mais pautado pela cautela, pela valorização de itens essenciais. Recentes pesquisas identificaram a mudança de trajetória nos planos dos consumidores. Uma projeção da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) aponta uma retração de 7,2% no consumo das famílias neste ano, o que colocaria este indicador no mesmo patamar do que se perdeu acumuladamente em 2015 e 2016, os quais também foram anos de recessão.

Outro levantamento, realizado por uma consultoria internacional, apurou em enquete com 1,6 mil pessoas, no fim de junho, que a maior parte dos consumidores deve se manter retraída nos próximos 12 meses. Serviços, viagens, academias e restaurantes estão entre os segmentos que mais devem ser afetados pela falta de ânimo da clientela.

Uma terceira pesquisa, do Instituto Locomotiva, mostra que 42% da população adulta pretende gastar menos nos próximos meses em relação ao que gastava antes da pandemia.

São diferentes exames a apontar para um cenário semelhante. Trata-se, sob uma angulação, de uma consequência positiva, do que pode ser o início de uma maior conscientização financeira por parte de milhões de brasileiros; mas também desperta preocupação, sob outra perspectiva, a da geração de riquezas. O consumo das famílias é um pilar robusto da estrutura do PIB nacional, e estas rachaduras observadas na crise da pandemia são alarmantes, sobretudo levando-se em conta que o indicador vinha se recuperando lentamente de sismos anteriores e mal havia saído da primeira marcha.

A drástica mudança no consumo deve ser observada com máxima atenção por autoridades do Estado e do setor produtivo. Cabe ao primeiro formular medidas que possam, dentro das capacidades do erário nacional, tirar o mercado interno do quadro de depressão; e ao segundo adaptar-se, de modo a suprir as novas necessidades dos compradores.


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