Editorial: Distorções da política

Por definição, a política está relacionada a tudo que diz respeito à cidade – ou, para dizer de forma mais ampla, abstrata e precisa, àquilo que é bem comum, dos cidadãos, da sociedade. Outra constante, em todos os sistemas conhecidos, é sua relação com o poder, do homem sobre seus pares.

Nas democracias, esse poder é outorgado. O eleito tem autonomia no exercício de suas funções, mas tem o compromisso de representar setores da sociedade e a missão de atuar em acordo com interesse maior da comunidade como um todo. O desvio deste caminho é reprovável, por vezes apenas eticamente; em outros casos, em acordo com a legislação, é assunto para ser tratado na esfera criminal. É o fantasma da corrupção, que ronda o fazer político e que demanda esforço considerável do ofício, no sentido que este se dedique a exercícios de autorregulação.

Há, contudo, outro risco da política que demanda atenção. Se dá quando a atividade deixa de se dirigir para a sociedade, quando negligencia a missão de atuar pelo bem comum, e tem, por fim, o desejo de se perpetuar no poder. É a política que se vale de recursos públicos, não apenas econômicos, para garantir a permanência de um indivíduo ou grupo em posição vantajosa na estrutura pública representativa, seja em âmbito municipal, estadual ou federal.

Favorecimento de aliados e atenção diferenciada de bases eleitorais estão entre as práticas comuns da política que olha sempre para o futuro. Necessário especificar: um futuro marcado por ciclos de dois anos, em que se tenta criar condições para a perpetuação no poder, bem como o de conquistar novos espaços. Não poucas vezes, os muitos problemas que requerem a atenção da classe política ficam em segundo plano, sendo preteridos em benefícios de movimentações para garantir alianças que rendam frutas na alternância dos pleitos em que se escolhe a chefia do Poder Executivo e os representantes do povo no Poder Legislativo.

É digno de análise do cidadão e consequente reflexão o uso das emendas parlamentares impositivas, por parte de deputados federais e senadores. Cada parlamentar das casas federais tem direito a emendas individuais, para as quais escolhem a destinação. O recurso é da União e os valores, determinados a cada ano, na Lei Orçamentária Anual, para pagamento pelo Governo Federal no decorrer do ano subsequente. 

Devem ser destinados à Saúde, Educação e a obras públicas, constituindo-se fonte importante para os municípios do País. A realidade, contudo, está longe do ideal almejado pelos cidadãos.

Levantamento do Núcleo de Dados do Sistema Verdes Mares, relativo a 2019, mostrou o destino de repasses feitos pelo Governo Federal, para atender a demandas de emendas parlamentares impositivas, determinadas por parlamentares cearenses. O resultado é que, do montante já pago pela União, a maior parte foi destinada para cidades onde os autores das emendas receberam mais votos. Cabe observar tais movimentos e entender as suas intenções. 

O xadrez da política, em outubro, requer a intervenção do cidadão. Ela é decisiva, e deve ser guiada pela consciência de que os representantes eleitos pelo voto precisam honrar compromissos e zelar por sua missão social.