Editorial: Cuidados contínuos

Desde o início da adoção das medidas protetivas necessárias ao combate da pandemia da Covid-19, em especial do distanciamento social, a questão da saúde emocional foi debatida. Cuidar dela, sabia-se, seria um desafio. A volta "ao que era antes" ainda envolve ansiedade sobre os rumos que uma crise sanitária dessa dimensão nos obriga a lidar. Não é exagero observar que a população se encontra com duas necessidades urgentes para se manter sadia: cuidar do corpo e da mente. Da medicina à seara terapêutica, diversos especialistas sinalizam que um cuidado se relaciona ao outro - não há separação.

No fim de julho, uma pesquisa do Programa de Pós-Gradução em Psicologia da Universidade de Fortaleza pontuou a discussão sobre uma série de situações de adoecimento da saúde mental durante a pandemia. Dentre 2.705 brasileiros (1.135 cearenses) consultados, foi observada elevada ocorrência de algum transtorno psíquico - sobretudo depressão, estresse ou ansiedade - dentre pessoas que já tiveram a Covid-19; e entre indivíduos que moram com gente do grupo de risco da doença.

Ainda foi identificada uma possibilidade maior de desequilíbrio psicológico para aqueles que se confinaram e quase não saíram de casa, nem por necessidade, durante a quarentena.

Outro grupo de pessoas que precisa olhar com toda atenção para as emoções, nessa fase, é o dos enlutados. O processo de luto pela morte de um ente querido teve seus rituais resumidos às limitações de circulação impostas pela pandemia. Além da dor da perda, o enlutado, por vezes, fica com a sensação de que a despedida não se concretizou. A demanda tem chegado aos consultórios psicológicos e terapeutas têm investigado como os rituais são importantes para que o homem possa marcar começos, passagens e finalizações na vida.

Aos profissionais da área terapêutica, o momento exige muita ação, mas também reciclagem. Psicólogos, terapeutas, e demais especialistas desse setor de saúde já têm discutido, desde o início da pandemia, como a saúde mental é uma questão central dentre as ditas "ondas" de contágio da Covid-19.

O debate passa pelo aumento de casos de depressão, incluindo aí a suscetibilidade dos profissionais da linha de frente da pandemia; pela alta quantidade de consumo de álcool e drogas nesse período; pela expectativa de identificação do Transtorno de Estresse Pós-Traumático dentre os pacientes; e ainda pelo risco de aumentarem os casos de suicídio, problema que já preocupava a sociedade independentemente da pandemia.

Além de lidar com a situação em toda essa dimensão, provocados pela vulnerabilidade dos pacientes, vale reforçar que os profissionais de saúde mental também precisam se cuidar e criar forças para o desafio de viver nesse momento. Essa necessidade sinaliza que a prevenção é uma das soluções mais pertinentes para lidar com o quadro: especialistas são enfáticos em como a manutenção de uma rotina, e de práticas "possíveis" de bem-estar, sem tanta autocobrança, pode fortalecer o indivíduo.

A situação é delicada, mas uma lembrança vem a calhar a cuidadores e pacientes: em caso de adoecimento, não existem "culpados". Há a possibilidade digna, e demasiadamente humana, de pedir ajuda e tratamento.


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