Editorial: Ciência sob ataque

A inteligência humana encontrou, ao longo da história, diversas formas de se expressar. O conhecimento foi sedimentado em formas variadas de saber, por vezes conflitantes, outras trilhando caminhos demasiado independentes para que se registrasse qualquer atrito. Nos últimos séculos, o pensamento científico tomou o protagonismo na esfera pública. Recorre-se aos saberes empíricos, ancorados em teorias sólidas e no emprego de metodologias rigorosas, como uma espécie de língua franca, terreno comum no qual podem dialogar todos, apesar de suas diferenças.

Ainda que as administrações públicas, mesmo nas democracias modernas, não sejam conduzidas a partir de escolhas cientificamente embasadas, o certo é que a ciência está sempre à disposição da consulta de gestores, das diversas áreas, para fundamentar suas decisões. Por vezes, ignora-se o que é dito do ponto de vista técnico, do lugar dos especialistas que conhecem a fundo uma matéria. Há variáveis que escapam ao saber do laboratório, mas que não podem ser excluídas da equação, como a ética. Em princípio, quando isso se dá, é em vista do melhor para a sociedade.

Inegavelmente danosa é a disseminação de discursos anticientíficos, catalisados pela falta de controle de redes socias e recursos tecnológicos de troca de mensagens. A produção deste tipo de conteúdo é explicada ora pela ignorância que não se reconhece como tal; ora pelas intenções antiéticas de usá-lo como arma para fins escusos, não poucas vezes politiqueiros. No primeiro caso, é irresponsável; no segundo também o é, mas se trata de ato ainda mais grave, inegavelmente criminoso.

Os discursos anticientíficos se alimentam do ressentimento contra os detentores do saber especializado, em defesa de um direito à autoridade de falar sobre algo, numa distorção do que deveria ser a democratização dos saberes e decisões; e da dúvida exacerbada e paralisante, que vê inimigos e conspiração por toda parte.

Na esteira do avanço da epidemia mundial da nova variante do coronavírus, também se disseminaram preconceitos, sobretudo contra pessoas dos países mais afetados, e teorias conspiratórias, fundamentadas apenas na imaginação ou na má-fé. Até mesmo receitas delirantes de imunização foram espalhadas. Não se trata apenas de perda de tempo para aqueles que potencializam e se alimentam desses discursos, mas de ruídos que interferem na comunicação quando se precisa que ela seja o mais eficiente possível.

Se há riscos de que esta nova doença, que se espalha pelas veredas de um mundo globalizado, a saída não é se alimentar de pânico e de dúvidas; é perseguir certeza, buscá-las com fontes críveis e dotadas de saber especializado. Procurar a informação correta e, aí sim, partilhá-la é o comportamento socialmente responsável que se espera dos cidadãos comprometidos com seus pares.

Contra nuvem de ignorância e fraude, é a ciência, mais uma vez, que triunfa. Se novos quadros de enfermidade não deixam para trás um número maior de vítimas, o feito deve ser creditado ao avanço deste saber civilizado, o conhecimento conquistado pela ciência e partilhado, de forma criteriosa, consciente e responsável. É este o discurso que, verdadeiramente, precisa ser amplificado.


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