Editorial: Atenção às crianças

Encomendada pela Fundação Lemann e realizada pelo Instituto Datafolha, uma recente pesquisa envolvendo famílias de mais de 1.500 alunos com seis anos de idade, provenientes de escolas públicas de todo o País, apresenta dados alarmantes acerca do estado emocional dessa faixa populacional durante a pandemia de Covid-19.

Pelo menos 64% dos pais percebem que os filhos estão ansiosos - 66% dos pais de meninas e 62%, de meninos. Além disso, 45% notam que os estudantes apresentam quadro de irritação e 37% constatam a presença de tristeza nas crianças. São estatísticas que merecem destaque, ainda que alterações no padrão de sono e alimentação, dificuldades de concentração, e sentimentos como medo, inquietação e solidão sejam sintomas apresentados com frequência neste intrincado período.

Estudiosos elencam alguns possíveis fatores que podem estar influenciando o comportamento dos pequenos, tornando-os ansiosos diante de um contexto tão turbulento - no qual emergem questões como a pausa compulsória de atividades, a ausência de convívio com amigos e inúmeras incertezas.

Um deles envolve o temor que paira sobre a situação de emprego ou desemprego do pai e/ou da mãe. Devido ao alto número de empresas falindo e demissões em massa, é comum que os filhos absorvam o receio dos familiares, passando, por vezes, a não dispor do que antes era dado como garantia. Assim, entram em xeque pontos envolvendo condições de moradia, acesso à saúde e, igualmente, à internet. Afinal, como acompanhar as aulas sem a tecnologia necessária para isso? Uma dúvida que não apenas expõe a fragilidade financeira de grupos da sociedade - a pandemia não atravessa da mesma forma a vida das pessoas - mas, sobretudo, o abismo econômico instalado no Brasil.

Esse assunto vem acompanhado na pesquisa de outra revelação tão importante quanto, relacionada a questões de gênero: as meninas são apontadas como as mais ansiosas durante o período de pandemia.

Tal resultado não deixa de levantar uma dúvida sobre se isso realmente procede na realidade dos lares nacionais ou se, diante de uma cultura machista e patriarcal, os meninos estão sendo compelidos a não se expressar como querem, visto que a exposição de sentimentos pode ser entendida no seio social como sinônimo de fraqueza.

Fato é que os resultados do levantamento convocam a uma série de reflexões e, principalmente, à necessidade de uma tomada urgente de atitude. O papel da família é fundamental na percepção do estado emocional de todas as crianças. Os adultos precisam estar abertos para perceber se os filhos estão tristes, dando sinais de desânimo ou ansiedade. Os pequenos podem expressar essas marcas de diversas formas - seja por desenhos, gestos, pinturas ou olhares -, o que reforça o senso de presença por parte dos responsáveis.

Além disso, uma escuta realmente atenta e possibilidades de diálogo são sempre bem-vindos nesse processo de aproximação e zelo para com os de menor idade. Preservar a saúde mental é uma pauta urgente em todos os aspectos, idades e cotidianos. Que diferentes esforços possam ser voltados para essa causa.


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