Editorial: Abusos inaceitáveis

Ao cabo do primeiro mês de quarentena, fez-se notar a grave situação das mulheres submetidas à violência doméstica. O caso não era exatamente novo, como se fosse fruto da ocasião. A "novidade" residia na armadilha em que haviam se convertido as regras de distanciamento social e a restrição de funcionamento das atividades econômicas, pensadas justamente para salvar vidas, no contexto da pandemia. Encerradas em casa com os agressores, elas sentiram o aumento dos abusos físicos e psicológicos e viram a redução das janelas de tempo que permitiram suas denúncias.

Não se trata de fenômeno restrito à realidade brasileira. Com infame regularidade, observou-se o mesmo mundo afora. É falso o silogismo que leva a questionar as medidas restritivas, em defesa de uma imprudente flexibilização do regramento, necessárias à contenção da propagação da Covid-19. É, ao contrário, mais um exemplo do alto preço que as sociedades têm pago por problemas preexistentes, questões graves e históricas, com números expressivos, que não foram superadas, nem devidamente enfrentadas. A pandemia foi pródiga em tornar realidades desiguais e injustas ainda mais perversas.

Também está inscrito nesta categoria de problemas que foram agravados e escancarados pela pandemia o aumento de casos de violência contra idosos em Fortaleza. Foi o que apontou balanço feito pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), por meio da Secretaria Executiva das Promotorias de Justiça do Idoso e da Pessoa com Deficiência. O órgão considerou os dados relativos aos primeiros cinco meses do ano e os comparou com os índices de igual período do ano passado. Foram registrados 32,5% de episódios a mais.

O que observou é que a maioria dos casos de violência acontece na casa onde as vítimas residem e envolvem pessoas próximas a elas, não apenas parentes, mas também vizinhos e até cuidadores. Negligência, abusos físicos e psicológicos e violência patrimonial foram registrados pelo MPCE.

O momento já havia trazido consigo males para esta parcela da sociedade. Reconhecidos como integrantes do grupo de risco da Covid-19, os idosos precisam lidar com o peso psicológico da ameaça. O isolamento, ainda que necessário, impõe uma carga emocional a quem se vê, muitas vezes, alijado de suas atividades e do contato de seus entes queridos.

A situação - das mulheres, dos idosos e das crianças, de todas as vítimas de violência doméstica - exige, claro, medidas imediatas do Estado. São intoleráveis, põem em risco a saúde das vítimas e, por vezes, representam ameaças às suas vidas. Por tudo isso, não podem aguardar respostas. Estas precisam ser ágeis, precisas e rigorosas, acompanhadas de ações e políticas de acolhimento, para resguardar o presente e propiciar um futuro para quem é submetido a tais situações.

Tais abusos exigem, também, ações de combate a médio e longo prazo. Passa, sim, por ofensivas policiais e judiciais ágeis e rigorosas e pelo tratamento sistêmico do fenômeno, incluindo ações educativas e de conscientização. Defender vítimas de violência, subjugada por hábitos e costumes retrógrados e inaceitáveis, deve ser compromisso social de todos, manifesto na forma de denúncias e na acolhida daqueles que precisam sair do julgo de seus algozes.


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