Contra o oportunismo

Juntamente à consternação diante da inesperada crise global que tomou o mundo de assalto nesse ano, disseminou-se um discurso que mantinha os olhos fixos à luz no fim do túnel. Esta, para os mais otimistas, seria não apenas a saída futura, mas, de certa forma, um novo tempo, no qual não apenas estaria sanada a pandemia, com uma série de problemas que afligiam as sociedades antes dela. O mundo sairia melhor, mais solidário, atento ao bem comum.

É cedo para falar do fim da pandemia, quando a corrida pela criação de vacinas ainda não está encerrada, nem há perspectivas claras de sua produção e da imunização massiva das populações. E é igualmente precipitada a hora para atestar se a luz no fim do túnel concretizará as projeções e desejos dos mais otimistas. O que pode atestar é que nenhuma mudança se dará sem esforço, trabalho e engenhosidade; e, ainda, que velhos hábitos não se transformam facilmente, como é o caso da corrupção.

O tema, recorrente quando a pauta é a política nacional, em todos os seus âmbitos, tornou-se mais uma vez objeto de escrutínio durante o enfrentamento da pandemia. Não tardou para que surgissem indícios, de par a par no País, de que ações para conter a disseminação da doença e para dar suporte aos pacientes mais graves fossem usadas de forma deturpada, em benefício de pessoas ou grupos.

Traz as marcas do momento que o Brasil vive projeto de lei que deve ser votado, nessa semana, no Plenário da Câmara dos Deputados. O texto propõe o aumenta as penas de vários tipos de crimes ligados ao desvio de recursos públicos destinados ao enfrentamento de estado de calamidade pública. A pandemia da Covid-19 é, obviamente, o caso exemplar e motor da pauta a ser debatida pelos parlamentares.

No PL 1485/20, é determinada que a pena de reclusão por associação criminosa, que vai de 1 a 3 anos, seja aplicada em dobro, quando se constatar que o desvio de recursos aconteceu durante estado excepcional como o que hoje se vive. Seriam dobradas, ainda, penas previstas no Código Penal para crimes contra a administração pública, em iguais condições, caso do emprego irregular de verbas públicas (detenção de 1 a 3 meses) e corrupção passiva (de 2 a 12 anos).

A discussão entre parlamentares é importante, e alerta à necessidade de que se faça cumprir as leis, sem interferências externas para atender interesses políticos, quaisquer que sejam. A corrupção é inoportuna a qualquer hora, em toda e qualquer situação. É inadmissível e jamais deve ser normalizada ou minimizada, dados seus efeitos inegavelmente nocivos e de seu potencial para agravar as desigualdades e injustiças.

A corrupção representa a captura da máquina pública, por grupos políticos e econômicos, desviando-a de sua função, beneficiando ilegitimamente uma minoria, em prejuízo da maioria. Seu efeito direto é induzir a privação de recursos para setores essenciais à promoção da cidadania. No caso de uma grave crise sanitária, como a pandemia da Covid-19, as consequências de tais atos podem estar diretamente ligadas a mortes de pessoas. Dias melhores precisam ser socialmente construídos e, para o bem do coletivo, tais desvios de rota não podem ser admitidos.