Não, não está tudo bem

Pandemia ressignifica até uma das mais despretensiosas expressões do dia a dia

Legenda: Cataclismo na saúde piorou em 2021
Foto: Helene Santos

"Tudo bem?"

Quantas vezes escutamos esta frasezinha num dia? Antes de tudo, estes dois vocábulos seguidos de uma interrogação pareciam inofensivos. Só uma pergunta retórica, uma saudação despretensiosa que sempre acabava provocando um "tudo bem, sim, e com você?".

Mas o acúmulo de sentimentos ao longo destes infindáveis treze meses de pandemia lançou sobre esta expressão nossa de cada dia um peso diferente, uma dose de realidade que antes não se via.

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Até quando feita por um estranho, por mero protocolo social, a perguntinha aciona algo nas cavernas de dentro. Mexe com as entranhas, a saliva desce quadrada pela goela. Porque não está tudo bem.

Por mais que você e todos os seus entes queridos estejam com saúde – o que é motivo de alívio e gratidão –, há alguém no ciclo de amizades ou no convívio profissional que tenha sido atingido por esta tragédia.

E não há como não sentir um pouco da angústia do outro. Não há como se cobrir de uma capa mágica e se blindar dos dramas que ocorrem ao lado, seja do amigo próximo ou daquele ex-colega de quem só se tem notícias esparsas.

A dor dos mais distantes

Mesmo afastando-se das interrelações, não está tudo bem. Mais de 350 mil vidas apagaram-se no Brasil por conta da Covid-19. São perdas e dores que este número, apesar de avassalador, não consegue mensurar. Como responder que tá tudo bem em um País que registra mais óbitos que nascimentos?

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A fome também voltou a assombrar as famílias, como mostrou a necessária e impactante reportagem de Theyse Viana, publicada neste mês. Este mal é um espectro fantasmagórico do passado que renasceu do vácuo de medidas sanitárias e sociais dos governos.

No rastro do vírus, o desemprego, a falta de perspectivas e a deterioração da saúde mental são ameaças coadjuvantes  ao coletivo.

Símbolo-mor da esperança, a vacina chega aos poucos. Tal demora, fruto da inescusável estratégia – se é que se pode chamar assim – federal de recusar dezenas de milhões de doses de imunizantes no momento em que adquiri-los seria a chave para acelerar a saída deste pesadelo, nos mantém presos a esta órbita de aflições.

Não, não está tudo bem.