Autoridade também sofre

Naquela manhã encontrei com duas autoridades: uma fiscal, super decidida, e, outra, do volante, insegura e com o coração partido

Legenda: Motorista de Uber, o qual ouvi sua metafórica história esses dias: ariano e vivendo de amor profundo
Foto: Jeritza Gurgel

Essa semana, tive um encontro com a Secretária da Fazenda, Dra. Fernanda Pacobahyba, no edifício histórico da SEFAZ, recém-inaugurado após obras de melhorias, às 9h da manhã.

Ser uma operadora do Direito requer, para a vida, algumas regras de conduta: pontualidade e respeito por atos solenes e autoridades, dentre eles: estar adequadamente vestida, procurar ser objetiva em reuniões (porque dirigentes têm milhões de compromissos agendados) e estratégica.

Tenho uma mania de pensar logo em como vou apresentar-me. Sabe aquela história: “a primeira impressão é a que fica?”. Apostei no azul. É uma cor propícia para refletir, no outro, lealdade, confiança e tranquilidade. Tem a ver com espiritualidade, também.

No horário marcado entrei no histórico prédio fazendário.

Legenda: Escadaria do prédio sede da SEFAZ
Foto: Jeritza Gurgel

A recepcionista logo perguntou meu nome e respondi assim:

- J.e.r.i.t.z.a Gurgel (soletrando o nome)

- Agora diz aí, mulher, como é que fala?

E foi aí que falei o meu nome e a recepcionista seguiu com os elogios ao meu nome, ao meu cabelo, a minha roupa e tudo mais que uma mulher repara. Uma simpatia!

Compromisso marcado e cumprido dentro do esquema previsto.

Abro uma chamada para um Uber que, depois de um bom tempo de espera, cancela minha solicitação.

Sem estresse, abro chamada para um segundo Uber.

Chega ao local um Fiat na cor vermelha, novinho, sem ar-condicionado (ou, pelo menos, desligado). O banco do passageiro e o encosto das costas estavam deslocados para frente, de modo que o cliente ficava com bastante espaço atrás. Entendi a proposta: conforto!

Quando começamos a seguir, ele escolhe a playlist para “startar” o percurso: José Augusto.

Um calor danado. Pegamos um engarrafamento que o carro não saia do lugar. Estávamos no meio da feira da rua José Avelino. Uma beleza!

Comecei a fazer o que sempre gostei: observar tudo ao redor: o movimento das pessoas na rua, a feira acontecendo, os carros buzinando, o carro que me conduzia e reparar no meu condutor.

Foi quando o motorista aumentou o som na hora que o cantor José Augusto diz no refrão: “te amo...te amo...” e balançou a cabeça como quem está afirmando alguma coisa para si mesmo.

Legenda: O diferencial, segundo o condutor, é a playlist que inclui José Augusto, Roberto Carlos, Altair José
Foto: Jeritza Gurgel

Pensei: “ele tá é sofrendo...o “pobi”...

Comecei a perguntar sobre o interesse dele pelo cantor José Augusto...

- A senhora me acredita que tenho perdido muita gente...ô, digo, passageiro, só porque gosto dessas músicas? Gosto de José Augusto, Aldair José, Roberto Carlos e elas só querem saber de “pancadão”, falou o motorista com o maior desprezo.

Senti onde doía...

- É mesmo? Nossa! Quantos “passageiros” estranhos, né? Ligue não! Qual é o seu signo?

Ele respondeu que era Leão e eu disse que era impossível!

Ele riu e disse que era Áries e que deixou de ouvir signos na rádio porque estava viciado...

Compreendi mais uma vez.

Ela é que era de Leão e, ele, de Áries!

Legenda: Áries e Leão não seria uma combinação das mais fáceis, a não ser que, como em qualquer coisa nessa vida, queiram que dê certo! Tipo na história da Bela (leão) e a Fera (áries)!
Foto: Internet

Certamente, a programação astrológica daqueles dias não estava legal para o lado do ariano sofrido.

O problema é que os leoninos acham que o ariano é grosseiro demais e os arianos, por sua vez, dizem que os leoninos são muito posudos! Coisas daqueles corações que não batem bem da cabeça...

Para aliviar a dor, dei uma mudada de assunto. Disse que suspeitava que a origem dos olhos dele azuis eram do Crato.

Ele tomou um susto.

Nada demais! Achei o tipo dele parecido com algumas pessoas da região do “Oásis do Sertão”: olhos redondos, azuis e, a tonalidade da pele, dourada.

- A senhora sabia que a minha tia foi batizada pelo Padre Cícero.

Falou o motorista contando vantagem.

Eu o tirei de tempo, fazendo soltar uma boa gargalhada:

- É a nova essa sua tia!

Nisso, começa a tocar a música do Gilliard, “Aquela nuvem” e volta o coração “véi” sofrido a reclamar:

- Quando a senhora escuta essas músicas mexe?

- Mexe o que, seu Paulo? (era o nome dele que tinha perguntado)

- Mexe, assim, na sua mente...umas lembranças...

- Com essa música aí? De jeito nenhum! Essa é humilhante demais, “nam”! (procurei levantar a bola dele, né?) Mas, seu Paulo, outras mexem, sim, viu?!

E aí ele riu e desejou boa sorte, sucesso etc.

Desci dali e fiquei pensando naquela manhã, nos sentidos das coisas. O propósito da escolha da cor azul e os olhos do seu Paulo. Que boa parte do percurso foi com a trilha sonora do cantor preferido do motorista que tem o mesmo nome do meu pai, José Augusto, e a história daquela pessoa que nunca tinha visto na minha vida, mas que, em metáforas, foi abrindo o seu coração.

Todo o ritual daquele dia despertou em mim a atenção de como foi o meu dia, desde a preparação para encontrar com uma autoridade fiscal, super decidida, até o encontro com uma autoridade do volante, inseguro e com o coração partido.

Pensei que o tempo que havia programado valeu a pena, também, para ter tido tempo para ter entrado naquele Uber, ter encarado um trânsito danado e ter despertado todos os detalhes que fazem parte da rota da minha vida.

A vida da gente é tão corrida que perdemos muitos momentos valiosos, que, independentemente, de acrescentar conhecimento, faz um bem danado a alma.

Dominguemos, Amém!

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.